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A Praia de Manhattan

JENNIFER EGAN
Tributo à tradição dos grandes romances americanos, o novo livro da vencedora do Prêmio Pulitzer acompanha Anna Kerrigan e Dexter Styles num universo noir povoado por gângsteres, mergulhadores e banqueiros durante os tempestuosos anos 1940.

A Praia de Manhattan

SINOPSE

Depois de A Visita do Brutamontes, Jennifer Egan regressa com um emocionante romance histórico que tem a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial em pano de fundo. Os anos 1940. Anos de guerra e de esforço de guerra nos estaleiros navais de Brooklyn. No mesmo espaço geográfico, os sindicatos e as lutas pela supremacia das várias máfias: italiana, irlandesa, outras. Anna Kerrigan é a figura central do romance. Trabalha nos estaleiros (como centenas de outras raparigas) e deseja ardentemente ser a primeira mulher mergulhadora. Isto num tempo em que a vida das mulheres era ainda muito circunscrita. Mas Anna quer sobretudo saber o que aconteceu ao pai, que desaparecera anos antes, sem deixar rasto. A história começa com Anna pela mão do pai, numa visita a casa do encantador mafioso Dexter Styles, em Manhattan Beach, e é nessa mesma praia que, de certa forma, se encontra o seu princípio e desfecho. Por detrás do incrível bulício das docas e da agitada vida da cidade, a toda a volta, o mar: o mar que tudo liga, e que transforma as personagens, que destrói e dá vida, que esconde e revela. Uma narrativa extremamente cinematográfica que evoca o universo de Há Lodo no Cais – transcendendo-o em fôlego e âmbito.

SOBRE JENNIFER EGAN

Resultado de imagem para Jennifer EganJennifer Egan é autora de vários romances. A sua escrita sempre foi elogiada e reconhecida pelos mais diversos quadrantes da crítica literária e pelos leitores em geral. Foi finalista do National Book Award em 2001, e ganhou o prémio Pulitzer em 2011. O seu trabalho não-ficcional é publicado com frequência na New York Times Magazine. Vive com a família em Brooklyn.

 

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Descobri que Era Ibérica*

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Desde pequena que não compreendo a vontade de criar uma unidade linguística, cultural e ideológica que dá forma e conteúdo a uma suposta identidade española mas aos 18 anos quando pedi a nacionalidade española, durante a entrevista com o cônsul tomei consciência de que não alentar por essa unidade poderia parecer na melhor das situações uma excentricidade e na pior e mais comum das situações suspeita de terrorismo.

– Porque que querer ter a nacionalidade española?
– Por dois motivos: porque é a nacionalidade da minha mãe e da minha língua materna (no sentido total da expressão), e por isso parte da minha história.  E porque me agrada a ideia de ter a nacionalidade de um território tão plurilíngue. Gostava de aprender mais sobre as outras línguas e culturas.
Franziu os olhos.
– Não és terrorista, pois não?
Encolhi os ombros.
– Não.


Eu apenas tinha (e continuo a ter) curiosidade por conhecer outras formas de ser e estar no mundo e sobre os idiomas como veículos de comunicação primária, assim aos 18 anos, tornei-me luso-española, apesar do que eu queria realmente era ser, era ibérica, como o lince ibérico ou o urso pardo.

Nasci poucos depois (em 1981) daquela España que tentou abolir a diferença e a diversidade, e quando digo pouco depois é mesmo pouco depois: a realidade plurilingue do estado espanhol teve continuação e reafirmação no estatuto de autonomia basco (1979), no estatuto de autonomia galego (1980) e no estatuto de autonomia catalão (1979) nos quais se declara respectivamente que o basco, o galego e o catalão são línguas próprias das suas respectivas autonomias e se indica em simultâneo a co-oficialidade com o español ou castellano.

Sempre me fascinou esta pluralidade linguística que nos leva a um dos exercícios mais interessantes da civilidade: a aceitação da diversidade linguística, ou seja cultural, e o reconhecimento da alteridade.

Esta minha crescente curiosidade por conhecer os discursos que se expressam nas diversas línguas levou-me a explorar os universos literários de escritoras que criam as suas narrativas nestes idiomas e são estes universos que quero partilhar convosco no Curso de conversação de Español (Castellano).

Assim partindo de uma língua que foi usada para unificar linguística, cultural e ideológica e tornar tudo mais aborrecido vamos explorar outros domínios linguísticos, literários e culturais da península e das ilhas tornando tudo mais divertido.


Informação sobre o Curso de conversação de Español (Castellano)

Foto de Confraria Vermelha Livraria de Mulheres.

Para quem é este curso?
Para pessoas curiosas que querem expressar-se em castellano, adquirir mais vocabulário e fluidez, melhorar a pronúncia e entoação e praticar as estruturas necessárias para se desenvolver no dia a dia. Seja para usar no trabalho ou para conversar com os amigos. Assim como conhecer mais sobre as culturas da península ibérica. Outros cursos VER AQUI

A literatura será a ferramenta utilizada para explorar o idioma e colocar em pratica o aprendido. Com atividades de leitura, compreensão oral, vídeos, curtas-metragens ou temas de debate, para que as/os participantes possam expressar as suas ideias utilizando o español como ferramenta de comunicação.

Também vamos explorar o sistema literário do estado espanhol, percorrendo a diversidade linguística e literária desconstruindo um sistema monolíngue.

Datas curso de verão de conversação de español
de 2 a 30 de Julho | 19h | 2h por semana, segundas-feiras.

Grupos de 3 pessoas mínimo/ máximo 6

INSCRIÇÕES
Período promocional de inscrição 
de 18 a 24 de Junho
28€

Período de inscrição simples de 25 a 30 de Junho
Normal: 40€
Sócias de vida: 30€

inscrições e + info: livrariaconfraria@gmail.com
Outros cursos VER AQUI

Sobre a Formadora
Aida Suárez G. Caldas, Diploma Superior da DELE – Nível C2 (Superior) -Instituto Cervantes, Madrid – España, e Certificado de Aptidão de Formador (CAP). Ao longo do percurso profissional leccionou Cursos de Espanhol no Instituto Unicenter/Joviform – Consultoria Empresarial, Lda e no Instituto Ibérico de Línguas.

nota

*o título deste texto é um piscar de olho ao livro
Descobri que Era Europeia de Natália Correia
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Na livraria Online da Confraria também podes encontrar uma estante dedicada a esta pluralidade linguística e literária para deixares livre a tua curiosidade.

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Texto escrito por

Contra o esquecimento a palavra e os cravos.

Hoje percorri as ruas da cidade com um cravo na mão, hoje foi mais um dia para recordar que a memória faz parte do verbo ser conjugado no presente.

Um das razões pelas quais existem as livrarias de mulheres (no mundo) é para nos motivar a continuar a re/construir um mundo mais justo e livre.

Contra o esquecimento temos a palavra e os cravos. Contra a morte total da memória (da existência) está o relato de outras vidas. Com a palavra, com o conhecimento daquilo que já passou preservamos a memória e não deixamos desaparecer o que já se foi e que faz parte do que somos. Com a palavra morremos um pouco menos. As nossas vidas deixam de parecer tão efémeras. Quando surge uma livraria de mulheres surge a possibilidade de recuperar a palavra das que nos precederam, assim como a cada 25 de Abril preservamos a memória de um momento da nossa história que nos deu esperança para continuar a re/construir um mundo onde todos e todas tenhamos voz. A palavra é também memória e recuperar a palavra das que foram, torna a nossa vida menos morte. ‘Porque foram somos, porque somos serão’.

Todos os 25 Abril ao ouvir os primeiros acordes de Grândola Vila Morena ou E Depois do Adeus… Sei mais uma vez que não quero esquecer. A nossa capacidade de esquecer controla tudo, tritura tudo, tudo o que hoje sei quero que fique guardado num papel.. Num livro.. Numa foto.. Num cravo a cada 25 de Abril.

Todos os dias quando entro na Confraria penso, Se não falarmos de nós mesmas, quem é que o vai fazer?’

Uma livraria de mulheres é um espaço para preservar a memória, para reconstruir a história e para projetar um futuro onde cada pessoa possa construir o seu próprio espaço e possa usar a sua voz com as mesmas possibilidades de ser ouvida. Cada estante recupera a palavra das mulheres. E é tão importante recuperá-la!
É importante porque as suas palavras podem ser como rochas sólidas enraizadas à terra que nos permitem atravessar a corrente. Cada livro da estante é necessário assim como cada cravo a cada 25 Abril, todas nós precisamos das palavras que outras escreveram para poder atravessar a corrente neste remoinho cultural no qual tem estado submerso o nosso género durante séculos. Precisamos destas rochas para não permitir ser arrastadas no remoinho da desesperação, para ter consciência que a nossa impotência não é uma fatalidade ou uma graçola de mau gosto da natureza. Que para superar a incapacidade de nos expressarmos, para sermos conhecedoras da “sabedoria” dos homens, a ciência, e para ter acesso, em resumo, a compreensão do universo, são necessários anos, talvez séculos e principalmente as palavras das que nos precederam, das que foram sendo esquecidas na história e nas estantes das bibliotecas e livrarias. As que descobriram muito antes de nós que a História tem sido fabricada por homens, pelos homens das castas superiores para proveito dos homens das castas superiores.

Não quero esquecer as suas palavras, as minhas palavras, as tuas palavras… O esquecimento é um tirano nas nossas vidas, na nossa história. Criar espaços e tempos para partilhar as palavras (os livros) das mulheres ou or para a rua cada 25 abril é iniciar,  é continuar (não estamos todas na mesma etapa do caminho) uma luta por vezes solitária outras colectiva mas sempre pertinente contra o esquecimento. Contra a invisibilidade nas sombras da história.

Cravos de Solidariedade & Sororidade

Livro a livro, cravo a cravo recuperamos a palavra das mulheres que nos precederam nisso tão abstracto e concreto que é a existência. Ninguém o vai fazer por nós. E sendo sincera às vezes preferia que nem tentassem fazê-lo porque pior que o esquecimento é perpetuar a imagem que o patriarcado criou de nós. As mulheres somos metade anjo metade demónio. Um animal criado pelos homens do patriarcado que em nada se parece com a mulher. Com o que cada uma de nós é.

Por sorte as mulheres não somos todas iguais. Apesar de se reinventar dia a dia uma homogeneidade através da publicidade, do cinema e

da cultura em geral. Teríamos grandes surpresas, especialmente os homens, se empática e modestamente nos sentássemos a ouvir as palavras das mulheres. Mas para ouvir há que deixar de pensar que se é o rei do universo. 25 de Abril sempre, machismo nunca mais!

Últimos ritos de Hannah Kent

Últimos Ritos, Saída de Emergência, Hannah Kent

Acho que não vai ser difícil escrever este texto sobre os Últimos ritos de Hannah Kent porque sei exactamente o que gostei e o que não gostei tanto nesta leitura.

Vou centrar o meu texto apenas no que gostei porque quando fechei por última vez o livro, foi o que pesou mais na balança.

Estão preparadas/os para esta viagem? Sim, para uma viagem! Últimos Ritos é uma viagem, uma viagem ao ano de 1828 para conhecer pessoalmente a história de Agnes Magnúsdóttir, a última mulher decapitada na Islândia do século XIX.

Sobre a escritora…
Hannah Kent
nasceu em Adelaide, Austrália, em 1985. Em jovem viajou até à Islândia num intercâmbio do Rotary Club, onde primeiro conheceu a história de Agnes Magnúsdóttir. Hannah é a cofundadora e editora do jornal literário australiano Kill Your Darlings, e encontra-se a completar o doutoramento na Flinders University. Em 2011 ganhou o primeiro Escrever a Austrália – Melhor Manuscrito Não Publicado (Writing Australia Unpublished Manuscript Award).Últimos Ritos é o seu primeiro romance.

Com base em acontecimentos reais, Hannah Kent conta-nos a história de Agnes Magúsdóttir, Fridrik Sigurdsson e Sigrídur Gudmundsdóttir, que foram acusados pelos assassinatos de Natan Ketilsson e Pétur Jónsson em 1828 em Illugastadir, Islândia. É a própria Agnes quem dá voz e desconstrói todo o mistério em redor desta história.

Depois de passar alguns meses em Stóra-Borg, muda-se a Kornsá, com a família do polícia que tem de a vigiar até ao dia da execução. E nesse lugar entre o fumo da badstofa, o trabalho da quinta, a hostilidade dos seus habitantes e um clima gelado e adverso,  onde Agnes nos conta o seu relato perante o olhar atento do reverendo Tóti e a família Jónsdóttir

É possível mudar os preconceitos adquiridos sobre uma pessoa? 

O importante em os Últimos ritos de Hannah Kent não é a história em si, mas sim em como esta é contada e o que a autora nos querer transmitir com ela.

Para mim, o mais fascinante neste livro e o que mais desfrutei foi a sua ambientação. Uma descrição totalmente evocadora de uma Islândia fria, solitária e hostil que não deixa de ser um reflexo fiel de tudo o que a protagonista sente.

A solidão, medo, incerteza, culpa, dor… são constantes nesta leitura, quer em Agnes, quer nas outras personagens secundárias que a rodeiam.

A atmosfera claustrofóbica tenta fazer com que a leitora/o se sinta incómoda/o enquanto lê, que sinta a mesma angustia que sente a protagonista. De certa maneira, é como se a dureza do entorno a estivesse a curtir e a preparar para o que vai acontecer, apesar de que nem Agnes nem a leitora/o estão preparados para chegar ao fim, por muito tempo que se tenha para tomar consciência e aceitar a ideia. A fragilidade por vezes, é um sentimento difícil de se mostrar e mesmo assim, acho que este livro consegue que a vejamos em todas e em cada uma das suas personagens.

Últimos Ritos é uma leitura triste que nasce da impotência e da raiva por não conseguir mudar as coisas, de ter que aceitar as circunstâncias que advém enquanto te resistes ao destino imposto. E mesmo com todo esse desconsolo, há beleza, compreensão e uma espécie de redenção em tudo, o que transforma este livro numa leitura cheia de emotividade e sentimento.

As últimas páginas conseguiram fazer-me chorar intensamente. Se há uma coisa que o final nos transmite é compaixão e empatia. Estes dois sentimentos independentemente daquilo que a pessoa tenha feito, e senti-los faz-nos mais humanos, e na minha opinião, melhores pessoas.

Foi este desfecho que conseguiu surpreender-me, emocionar-me e esquecer-me das coisas que não gostei tanto.

Claro que neste mundo louco em que vivemos e com as atrocidades que se cometem, nem todas as pessoas merecem receber indulgência mas também é certo que tê-la de alguma forma nos ajuda a não ser como essas pessoas, a diferenciar, a criticar e a defender valores que escasseiam.

Por desgraça no passado e no presente existem muitas e muitos Agnes Magnúsdóttir, uns mais culpados do que outros. Merecia o trato que recebeu e uma sentença de morte? A minha resposta é Não, um Não rotundo. Ninguém, no meu entender merece morrer (nem ser torturado) deliberadamente a mãos de outro ser humano, não estou a falar em defesa própria mas sim em assassinar, algo que acho que em nenhuma situação está justificado, nem sequer quando nos amparamos na lei. Sim, sou contra a pena de morte. Não vos parece absurdo impor como pena o mesmo acto que está a ser julgado como delito? Atravessar essa linha acho que nos transforma naquilo que rejeitamos, em assassinas/os.

Mas…
Agnes era culpada? Bem, eu tenho as minhas teorias e uma mão cheia de argumentos que me permitiriam defende-la num julgamento mas não vou partilhar nenhum, o veredicto têm de ser vocês a desvenda-lo lendo este livro até ao fim.

É verdade que houve coisas que gostei menos mas como são tão subjectivas prefiro não comenta-las para não influenciar a vossa decisão de ler ou não este Últimos Ritos de Hannah Kent, estou certa que não vos vai deixar indiferentes e que merece muito a pena conhecer a frialdade que transmite a Islândia de 1828, a pequena badstofa de Kornsá onde Agnes Magnúsdóttir consegui sentir, por primeira vez, que a humanidade e a empatia não eram emoções perdidas.

texto escrito

O humor e a dor das vidas comuns

Mulheres Excelentes é um elogio a todas essas mulheres que passaram, que passam e que passarão (ainda temos muita luta pela frente) imerecidamente inadvertidas.

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Vou começar este texto comentando coisas sem interesse aparente. Primeiro: a crítica inglesa diz que Barbara Pym é a Jane Austen do século XX. Segundo: os seus romances podem estar numa estante nomeada de “alta comédia”, seja lá o que isso for. Ditas estas duas coisas que são uma meia verdade, posso continuar ou começar, o meu texto sobre Barbara Pym.

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Barbara Pym (1913-1980), que foi contemporânea das escritoras Muriel Spark, Jean Rhys ou Iris Murdoch é, na minha opinião, uma escritora inteligente. O seu universo circunscreve-se a classe media inglesa de Londres (em todas as suas esferas e escalões), quer a citadina, quer a periférica e até a rural. Está povoado por clérigos, funcionários de escritório, intelectuais sem muito destaque e um ou outro político, esposas, solteironas caseiras ou que trabalham… ou seja, um mundo habitado por seres normais e quotidianos com vidas que não destacam pela sua singularidade mas sim pela sua convencionalidade;  não pela sua temeridade mas pelas suas ponderações; não pelas suas acções mas pelas suas satisfações quotidianas.

Até é verdade que podemos comparar Pym com a Jane Austen, se considerarmos que ambas escreveram admiráveis quadros de costumes. Mas a diferença é marcada pelo tempo; enquanto Jane Austen retrata a gentry que cresceu graças a reforma agrícola, uma Inglaterra que caminhava para se transformar num Império moderno que chegou ao seu esplendor das mãos da rainha Vitória e da Revolução Industrial, uma revolução que iria acabar com o mundo de Jane Austen. Ao contrário, Barbara Pym, encontra-se num Império em liquidação que decide apertar o cinto e a estar contente com a lembrança daquilo que foi um dia. Desta maneira, o que numa escritora é um retrato de uma classe e uma ordem social que se eleva até uma categoria moral e histórica, na outra há uma aguda exposição das formas que mantém uma classe média de um país que deglute pragmaticamente a sua inevitável decadência.

…o humor de Pym é encantadoramente ácido, que se passeia com simplicidade pelos seus romances mas sem nenhuma ternura ou piedade.

O segundo aspecto que une estas duas escritoras é o sentido de humor. Mais cândido – apesar do olhar perspicaz- e intenso na literatura de Austen. E mais pérfido e implacável na literatura de Pym. Nos romances de Pym tudo é boas maneiras e bons costumes, mas quando ela vai retirando as máscaras das boas maneiras e dos bons costumes, o que encontramos por baixo é uma mistura de vazio, superficialidade e frustração escondidas por baixo de um lindo tecido que a leitora/o vai acariciando e que ao fim de um tempo vai sentido como lhe corta as mãos. Devo dizer-vos que o humor de Pym é encantadoramente ácido, passeia-se com simplicidade pelos seus romances mas sem nenhuma ternura ou piedade.

Mulheres Excelentes

Escrever sobre o livro Mulheres Excelentes é um óptima ideia para despedir 2017 e dar as boas-vindas a 2018 no blog de uma livraria dedicada a literatura escrita por mulheres, porque Mulheres Excelentes é um elogio a todas essas mulheres que passaram, que passam e que passarão (ainda temos muita luta pela frente) imerecidamente inadvertidas.

É um romance fascinante, como um suspiro profundo, não pela trama excitante mas pelas suas personagens inesquecíveis. Seria injusto esperar um enredo aditivo e um ritmo vertiginoso numa comédia de costumes, género no qual se costuma descrever com certa ironia e agudeza a vida quotidiana de uma época.

Não quero que pensem que com isto estou a dizer que o enredo de Mulheres Excelentes é descuidado ou tem pouco interesse para a leitora/o. Pelo contrário, o que quero dizer é que o enredo se desenvolve com base nas relações e/ou acções das suas personagens. Já vos disse que as personagens são maravilhosas?!?! 😊

Entre as personagens de Mulheres Excelentes destaco a protagonista e narradora Mildred Lathbury, uma “solteirona” londinense de trinta e poucos anos com uma vida dedicada aos outros: ajuda nas tarefas da paroquia, ouve e resolve os problemas das suas amizades e por norma satisfaz as necessidades alheias e descuida as próprias.

Mildred tem um olhar clínico na hora de analisar as vidas alheias, mas um comportamento excessivamente obediente e sempre inadvertido e ingrato por parte das outras pessoas, coisa que só a leitora-o sabe. Ao fim das contas Mildred é apenas mais uma das tantas mulheres “solteironas” de uma sombria Europa dos anos de pós-guerra (Segunda Guerra Mundial), onde milhares de homens casadoiros perderam a vida.

É verdade que Mulheres Excelentes é um romance amável, mas Pym, como boa britânica não dúvida, nem por um instante, em denunciar (as vezes subtilmente outras acidamente) a situação das mulheres, que “não tinham nada melhor para fazer” do que servir e ajudar os seus compatriotas, para além de agradecerem essa oportunidade que lhes era concedida de serem úteis.

E assim Mildred, apesar de ter um forte compromisso em ser uma “mulher excelente”, reflecte sobre dita situação, transformando a leitora-o em testemunha de uma personagem que sofre as contradições que afloram quando os convencionalismos de uma sociedade colidem com os sentimentos pessoais.

Acho que é neste ponto que o romance de Pym ganha a sua força, nessa crítica, ao jeito british, de uma sociedade injusta com as mulheres excelentes da época.  Mildred é adorável e encantadora, mas também é dotada de uma ironia e autocrítica fantásticas. A sua extraordinária capacidade de observação fazem com que seja consciente das contradições entre o discurso interno e o comportamento exterior.

Mas a leitora-o, que é quem conhece esse lado crítico e irónico de Mildred, é que percebe que Mildred é na verdade uma mulher excelente, uma mulher excelente sem aspas, uma amiga entregada (o que por vezes leva a mal entendidos), uma mulher agradável sempre disposta ajudar, mas consciente da injustiça que é acreditar que dita entrega é uma bênção para ela e não para os outros.

São estas pequenas nuaces que transformam este romance não só num romance divertido, que o é, mas também uma homenagem a todas as mulheres e um trato burlesco dos convencionalismos que tanto mal têm feito. Resumindo: uma escrita elegante, um humor ajustado e um franco uso de elipses; Barbara Pym é uma maliciosa e fascinante criadora de vidas quotidianas.

Aviso 1: anglófobos abster-se. Aviso 2: Leitoras/os seguidoras da obra de Jane Austen, das irmãs Brönte, de Elena Ferrante, Lucia Berlin ou de Meg Wolitzer, por exemplo, há grandes probabilidades de adorarem este romance.

Outra coisa que prendeu a minha leitura é a inteligência intrapessoal e interpessoal da protagonista. Mildred é super consciente de si mesma e no fim do romance deixa entrever que talvez não vale a pena ser tão firme no papel de “mulher excelente” com aspas. E como leitora essa foi a minha grande alegria, conhecer uma Mildred divertida, inteligente, independente e amável desde o princípio, e que sabe o injusto que seria ignorar o excelente que é.

Também acho injusto que não aproveitem a próxima oportunidade que tenham para ler este romance e descobrir a vossa própria excelência, o que vos parece??!?! :)

Texto escrito

O espírito nómada de Annemarie Schwarzenbach

 

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Annemarie Schwarzenbach e Ella Maillart, fotografia de Marianne Breslauer | mais fotos aqui

“History doesn’t repeat itself, but it does rhyme.”                                Mark Twain

 

Existem outras viajantes mais indómitas, audaces, perspicazes até mais comprometidas mas nenhuma tão triste como Annemarie Schwarzenbach.

A tristeza flui na sua escrita comovedora, O Vale Feliz consagrado “ à vida errante e a ausência de esperança”, só é comparável à melancolia que infundem as suas fotografias, especialmente os próprios (auto)retratos da viajante. Fotógrafa e escritora, um “rosto de anjo inconsolável”  como disse Roger Martin du Gard, um dos seus grandes admiradores.

Entre as admiradoras e admiradores encontramos a também escritora Carson McCullers, tal era o fascínio que tinha por Schwarzenbach que lhe dedicou o romance Reflexos Num Olho Dourado.

mais info sobre o livro aqui

Annemarie Schwarzenbach (1908-1942) o ser inconformado de uma família de ricos industriais têxteis de Zurique, morfinodependente, íntima dos malditos Klaus e Erika Mann, suicida em potência (contudo morreu de uma queda de bicicleta), reporte, arqueóloga, escritora de atormentada exigência, lésbica, sucumbiu ao lado negro da vida num naufrágio existencial doloroso que nos deixou páginas belíssimas. A sua biografia com a procura desesperada do amor, as fugas, as dependências, a sua difícil relação familiar (nunca conseguiu escapar ao domínio da sua marcial mãe, filha de um general e de uma Bismarck, que acabou por destruir, após a morte de Schwarzenbach grande parte dos seus escritos) é das que nos deixa o coração endurecido.

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Annemarie Schwarzenbach de Dominique Grente e Nicole Müller, Circe, 1991

“Escolheu o caminho complicado, a senda do inferno” escreve a sua compatriota e viajante Ella Maillart, com a qual viajou em 1939 de carro desde a Suíça até ao Afeganistão, ambas ansiosas por respostas vitais, como duas Dorothy’s à procura de um inexequível mago de Oz do Hindu Kush.

 

Schwarzenbach é inesquesível

Cristina a personagem de La voie cruelle (A Via Cruel na edição portuguesa), livro no qual Maillart recolhe a experiência do erradio pré.hippy em direcção a Kabul e que se transformou num clássico da literatura de viagem e que até deu espaço para um filme. “Acreditava no sofrimento. Venerava-o como fonte de toda grandeza”, aponta Maillart, que mudou o nome da sua frágil companheira, a qual muitos confundiam com um rapaz pelo seu aspecto andrógeno, em consideração por ela, pois o seu relato tem dados íntimos que expõe. Ella Maillart terminou cansada da sua desequilibrante acompanhante, do demónio que a percorria, da sua inesgotável sede do absoluto, das suas crises, das suas recaídas com a droga, da sua desmesurada sensibilidade. Mas nunca deixou de se sentir atraída pelo seu encanto e a sua fecunda vulnerabilidade. Schwarzenbach narra esta mesma viagem em vários relatos reunidos em  Alle wege sind offen. Die reise nach Afganistán, 1939-1940.

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Voltemos ao O Vale Feliz, no qual a autora mistura crónicas de viagem, diário pessoal, autobiografia e ficção…  tornando-o num “texto híbrido” como menciona Gonçalo Vilas-Boas no pósfacio (edição Teodolito), ” onde a escritora se sobrepõe à viajante, encontrando, no ato da escrita, na palavra  e na criação uma nova linguagem uma liberdade que não encontra na realidade”. 

A velha Pérsia era para Schwarzenbach um lugar propício no qual emoldurar a sua angústia, os seus medos e obsessões. “O que procuras na Pérsia?” Perguntou-lhe Malraux. Ela procurava materializar a sua inquietação. Encontrou uma terra baldia e elementar na qual projectou o seu sofrimento, um país que lhe oferecia ao mesmo tempo um território de escassez e inominadas tentações (para a sua adição, para as suas crises mentais e para os seus amores lésbicos).

A tristeza da Pérsia, a sua beleza letal é um dos temas de O Vale Feliz, do qual emanam imagens inesquecíveis como as dunas transformadas em ondas mortas ou a caravana fúnebre com camelos… As ruínas de Persépolis, os fragmentos das civilizações esquecidas, o trote dos nómadas, as tempestades de areia, Mazandaran, paradigma da melancolia… tudo é escrito/descrito através do prisma da dor e só através dessa perspectiva é que faz sentido. Como se o Irão por completo existisse apenas para sumir a escritora numa frutífera e desoladora “depressão persa”, como ela própria descreveu o mórbido estado no qual se encontrava em 1939, foi durante uma cura de desintoxicação que escreve e rescreve O Vale Feliz (O  Vale Feliz surge da reescrita do texto anterior Morte na Pérsia mas ao contrário do que podem estar a pensar não estamos perante duas versões da mesma obra e sim, de duas obras com pontos em comum).

Os diferentes episódios evocam restos da sua biografia: a sua relação amorosa com uma mulher do Teerão (a filha do embaixador turco), o seu breve casamento com um diplomata francês para esconder a sua lesbiandade, as escavações em Rhages, a sua tortuosa necessidade de se comprometer na luta contra o nazismo, as febris e chorosas excursões ao vale de Lahr, a procura da pureza, os cachimbos de haxixe e a vodka das noites arqueológicas…

O Vale Feliz de Annemarie Schwarzenbach

A parte mais intensa e lírica

O Vale Feliz, é a enlouquecida descrição que a autora faz do seu encontro com o seu anjo, uma figura que surge das profundezas da psique de Schwarzenbach e da memória ancestral do país. Na antiga escatologia iraniana, quer no mazdeísmo quer no maniqueísmo, o anjo é uma presença recorrente e era tido como um duplo celestial e uma presença tutelar (as fravartis guardiãs ou as daenas, jovens que ajudam a alma na batalha contra os demónios que as assaltam).

A imagem da perfeita viajante solitária debatendo-se com o seu anjo nu, que tem as suas mesmas feições, junto à pirâmide nevada do monte Demavend, resulta uma metáfora esmagadora da vida e da paixão de Annemarie Schwarzenbach. Uma existência que ela mesma resumiu num grito pungente: “Deixem-me sofrer!”

Texto escrito

________LIVRO em DESTAQUE na LIVRARIA________

Para celebrar o segundo aniversário da Confraria propusemo-nos o desafio de editar, alternadamente, jovens escritoras e resgatar autoras clássicas, um livro por ano.

Continuamos fiéis ao nosso lema #juntas fazemos acontecer, por isso lançamos uma campanha de pré-venda/edição coletiva, para que te juntes a nós na edição deste livro e nos ajudes a construir o quarto próprio de uma nova escritora.

Vamos a isso?

O Interior Profundo de Diana Fontão é um livro que nos acompanha no caminho que seguimos e explora connosco as possibilidades em que nos vamos fragmentando nesse caminho.

A leitura torna-se uma viagem ao interior do ser humano, onde este se perde e reencontra várias vezes nos pensamentos sobre a vida, a morte, e sobretudo sobre as minudências e grandezas da humanidade.

O Interior Profundo é um livro onde a palavra órfã se torna carne e onde a escrita circula livremente.

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Sensibilidade e Bom Senso e o Patriarcado – Jane Austen parte II

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Sensibilidade e bom senso  é escrita, ou sendo mais rigorosa, é esboçada no ano de 1797, com o título de Elinor e Marianne (que sem dúvida nenhuma é um romance epistolar), e é revista posteriormente em 1809 com a finalidade da sua publicação. Que tem lugar em 1811, mantendo o anonimato da escritora.

Neste romance Jane Austen coloca em cena duas heroínas com personalidades opostas: por um lado esta Elinor, jovem inteligente, um verdadeiro modelo de paciência, autocontrolo e moderação, do outro lado temos a sua irmã Marianne, uma romântica impertinente dotada de uma grande sensibilidade. A primeira esconde os seus sentimentos por Edward Ferras e a segunda aparece em público sem pudor algum na companhia de John Willoughby, um jovem sedutor e carente de moral.

Juntas experimentam as suas primeiras emoções amorosas quando descobrem que as duas pessoas por quem se apaixonaram estão comprometidas com outras mulheres. Marianne entregasse à pena e adoece. Contudo recupera e acaba por conhecer outro jovem que se apaixona por ela e com quem termina por casar tempo depois. Elianor mantém a sua dignidade até ao fim e para surpresa dela Eduard pede-lhe em casamento. Até aqui parece que vamos ler as histórias românticas das suas protagonistas mas…

Sempre há um ‘mas’ nos romances de Jane Austem! 

Sensibilidade e Bom Senso e o Patriarcado

Neste romance de Jane Austen podemos ver como há uma ausência total do patriarcado, que toma forma (ou não) no patriarca da família, as protagonistas crescem sem pai.

É interessante ver neste romance a morte do patriarcado e a posterior negação do seu sucessor em assumir o seu lugar.

Após a morte do Srª Daswood, Elinor, Marianne e Margaret ficam sem protector e o ser meio-irmão não serve para as proteger ou zelar pelo seu bem-estar. A tal ponto, que as protagonistas têm de abandonar o lar para que seu meio-irmão e a sua esposa o ocupem. É interessante ver neste romance a morte do patriarcado e a posterior negação do seu sucessor em assumir o seu lugar.

A autora expõe bem os problemas que surgem da falta de um patriarcado/patriarca em mentes mais sensíveis, como a de Marianne ou mostra como quase não afecta quando se tem uma mente prática e racional como a de Elinor. Colocando assim em evidência a educação recebida pelas mulheres. Isto acontece porque o Srº Dashwood deu uma educação racional, prática tornando-a numa adulta capaz de pensar e gerir a sua própria vida, a filha mais velha, Elinor. O mesmo não aconteceu com Marianne que teve uma educação conservadora acorde com os valores época.

Nas primeiras páginas do romance Jane Austen deixa claro esta diferença de carácteres e vemos como Elinor, perante a ausência do pai, assume o papel de cabeça de família. Vemos como esta personagem coloca em causa os comportamentos excessivamente sensíveis e apaixonados da irmã pois estes roubam-lhe a liberdade e a autodeterminação. Elianor não rejeita o amor ou apaixonar-se mas tenta que isso não lhe retire a sua autodeterminação de gerir a sua própria vida. Marianne perde o rumo e a saúde por entregar tudo em mãos do amor, percebendo após a doença que o amor não é perdesse a si mesma e sim encontrasse.

Austen tenta neste romance difundir ideias através das quais as suas personagens, em aparência conservadoras, promovam, com a sua atitude e raciocíno, uma mudança na vida das mulheres.

Seguindo as premissas que Wollstonecraft expõe em Uma Vindicação Dos Direitos Da Mulher, Austen reclama a eliminação do patriarcado que confinava a mulher ao espaço privado e de submissão. Através de uma boa educação que procura fortalecer o corpo e instruir o coração, de maturidade, de racionalidade e independência, a autora consegue que as suas heroínas cresçam, e se desenvolvam longe da autoridade parental alcançando a sua autorealização pessoal, evitando que simplesmente passem da tutela de um pai para a tutela de um marido.

Tal como Wollstonecraft, Austen não acredita em heroínas com poder ou autoridade sobre os homens mas sim sobre elas mesmas para que tenham a capacidade de escolher o seu próprio destino, rejeitando o patriarcado que obriga a mulher à subordinação e ao nulo desenvolvimento intelectual e social.

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Para celebrar o segundo aniversário da Confraria propusemo-nos o desafio de editar, alternadamente, jovens escritoras e resgatar autoras clássicas, um livro por ano.

Continuamos fiéis ao nosso lema #juntas fazemos acontecer, por isso lançamos uma campanha de pré-venda/edição coletiva, para que te juntes a nós na edição deste livro e nos ajudes a construir o quarto próprio de uma nova escritora.

Vamos a isso?

O Interior Profundo de Diana Fontão é um livro que nos acompanha no caminho que seguimos e explora connosco as possibilidades em que nos vamos fragmentando nesse caminho.

A leitura torna-se uma viagem ao interior do ser humano, onde este se perde e reencontra várias vezes nos pensamentos sobre a vida, a morte, e sobretudo sobre as minudências e grandezas da humanidade.

O Interior Profundo é um livro onde a palavra órfã se torna carne e onde a escrita circula livremente.

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A avó Mary Wollstonecraft

 

Se clicares nas palavras que encontras a vermelho encontrarás novas ou revistadas leituras 📚🦊

A minha tia Simone de Beauvoir revolucionou o estatuto da mulher em 1949 com o seu livro o Segundo Sexo. ‘Não se nasce mulher, torna-se mulher’, dizia ela.

A ideia, foi uma autêntica bomba na conservadora sociedade dos anos 50. Mas a ideia da minha tia Beauvoir não era nova, um século antes dela denunciar a educação privilegiada dos homens e reivindicar a liberdade da mulher, a avó Mary Wollstonecraft (1759-1797), levantou a voz contra as proibições. Para quem não sabe Mary Wollstonecraft é a mãe de Mary Shelley, a autora de Frankenstein.

Quando a avó Mary Wollstonecraft chegou em Dezembro de 1792 a uma França revolucionária tinha 33 anos e na mala levava um livro, Uma Vindicação Dos Direitos Da Mulher, um texto que declarava que as mulheres eram “estúpidas”, “superficiais”, e “uns brinquedos”. O tom da sua escrita denunciava a situação da mulher do século XVIII. O problema era que a educação“nos torna artificiais e débeis de carácter e não nos dá mais possibilidades”. Para a avó Wollstonecraft, o Estado deve permitir que as mulheres “exerçam a medicina, explorem uma quinta, sejam responsáveis de uma loja, vivam do seu próprio trabalho”.

A França, que em 1793 mandou para a guilhotina a tia-avó Olympe de Gouges, autora da Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, vivia momentos perigosos e Wollstonecraft teve de regressar ao seu país natal.

Amigas e literatura

A avó Wollstonecraft nasceu a 27 de Abril de 1759 Spitalfields, perto de Londres. A má gestão financeira do pai prepotente e violento obrigou-a a se responsabilizar pelas irmãs, Everina e Eliza. E experimentar com elas as suas ideias feministas: dizem que Wollstonecraft convenceu Eliza a abandonar o marido (que a maltratava) e o seu bebé e fugir. Wollstonecraft rejeitava as normas sociais da época, estava contra o casamento e não tolerava a violência contra a mulher.

Wollstonecraft escrevia ensaio, romances tudo o que lhe permitisse questionar as normas da sua época e reflectir sobre o futuro.

“Deformaram-se em mim certos pensamentos românticos de amizade. Sou um pouco peculiar no meu entendimento de amor e amizade.”, escreveu ela com certa ambiguidade numa carta a uma amiga, Jane Arden. Antes de se envolver numa relação com qualquer homem, a avó Wollstonecraft dedicava o seu tempo e fidelidade às sua amizades femininas: foi até Lisboa cuidar da sua amiga Fanny Blood, por exemplo. Amigas e literatura, era ano 1785 e avó Wollstonecraft sabia que tinha que trabalhar para se transformar na “primeira de um novo género” dizia ela.

Wollstonecraft escrevia ensaios, romances tudo o que lhe permitisse questionar as normas da sua época e reflectir sobre o futuro. Falava inglês, francês e alemão; era tradutora, e relacionava-se com os  importantes pensadores da época. Foi para França após a revolução com a finalidade de expandir as suas ideias mas Paris também era a cidade do amor e uma cidade comum, a avó Wollstonecraft apaixonou-se na capital francesa por um anarquista americano Gilbert Imlay, quem se negou a casar com ela quando a sua filha Fanny nasceu. A avó não soube gerir a situação, ou talvez soube, e tentou suicidar-se.

E agora estás tu a pensar como é possível… ela que questionava o amor, o casamento… como é possível uma pensadora que crítica na sua obra que a mulher é vista como “um brinquedo” tenha tomado essa decisão??!?! Qualquer pensadora feminista que escreva sobre o amor, o casamento, a educação, a maternidade e que ao mesmo tempo estabeleça uma relação amorosa com um homem sofrerá tentativas de ser desacreditada. Parece-me tacanho da nossa parte pensar que a sua ‘paixão romântica’ comprometeu a sua razão política, literária e até moral. Será que temos que escolher entre cabeça e coração? Será que para sermos respeitadas pelo nosso cérebro, temos de esconder ou matar o coração? Ou será que (ainda) temos de des-idealiz a r o a m o r e desconstruir os conceitos de cultura amorosa, de casamento, maternidade e educação?

“Só tenho de lamentar que, quando a amargura da morte passou, fui inumanamente trazida de volta à vida e a miséria. Mas tenho a convicção firme de que essa decepção não me desconcerte; não vou deixar que aquilo que foi um dos actos mais calmados da minha razão fique como uma tentativa desesperada“, escreveu ela ao regressar a Londres.

Wollstonecraft, sempre foi crítica do papel que a mulher desempenhava como simples incubadora e educadora de crianças, morreu no dia 10 de Setembro de 1797, aos 38 anos, dez dias depois de dar à luz a segunda filha Mary. Mais uma contradição pensará quem lê estás linhas!  Como não há duas sem três, aqui têm mais uma contradição, a avó Mary casou com William Godwin que mais tarde publicou as memórias da primeira pensadora feminista, a avó Mary Wollstonecraft.

É exactamente por viver na própria carne estas contradições (e outras) que a avó Mary Wollstonecraft sustentava que a dependência económica das mulheres, bem como sua impossibilidade de acesso à educação racional, transformava-as em seres infantis e resignados.

 Acho que ela não sabia que estava a romper um molde para sempre. Atreves-te tu a romper os teus?

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A Abadia de Northanger – Jane Auste parte I

“Quem tivesse visto Catherine Morland em criança nunca poderia supor que nascera para heroína.”, assim começa A Abadia de Northanger.

A Abadia de Northanger foi escrita  1797-99 com o título de Susan e vendida em 1803 a um editor que nunca a chegou a publicar, este romance recebe o título final A Abadia de Northanger. A escritora volta a comprar os direitos em 1816 mas o romance não é publicado até 1818 de forma póstuma e ao mesmo tempo que Persuasão,  graças à vontade de Henry e Cassandra Austen. O prefácio da obra, escrito por Henry, é uma nota biográfica que até hoje, é uma das poucas fontes que temos sobre a vida de Jane Austen.

O enredo de a A Abadia de Northanger gira entorno a Catherine Morland,  uma jovem devota e ingénua,  amante dos romances góticos (principalmente os de Ann Radcliffe). A medida que avança nas suas leituras, mergulha na ilusão até ao ponto de confundir ficção e realidade. Quando passa uns dias na casa do pai, a jovem começa a acreditar que o pai é culpado de crimes horríveis. Contudo Henry, amigo de Catherine, apercebesse que algo não está bem com ela e ajuda-a a voltar para a realidade.  O pai perdoa as acusações,  Catherine recuperasse na casa e prometesse com Henry.

A Abadia de Northanger aparece tardiamente, apesar de ser considerado o primeiro romance da escritora; contudo é, na minha opinião, inferior aos outros romances da escritora como, por exemplo, Emma. Mas isto é apenas uma apreciação pessoal, leiam e descubram qual é vosso romance favorito.

Escrito muito cedo e sem apenas revisão, não tem a mesma profundidade que o resto dos romances de Jane Austen: as personagens estão menos trabalhadas e a análise psicológica é menos profunda.  Catherine é uma heroína boa e integra,  mas é a sua credulidade e ignorância que se destacam, tornando-a numa personagem mais débil (comparando-a com as heroínas dos outros romances) cujo ponto de vista por vezes se perde.  Talvez,  por isso, Austen usa menos neste romance o discurso indirecto livre,  tão característico na sua escrita,  e opta por um estilo directo.

Desiguais por amor

Na A Abadia de Northanger, Jane Austen crítica as paixões românticas e parodia os romances góticos, usando o seu dom para a ironia e paródia. Faz troça das convenções góticas através dos melodramas e aproveita para dar ao romance uma moral explícita.Os sentimentos exacerbados que se desenvolvem neste género de romances irritam Austen,  que valoriza o espírito crítico e prático assim como a serenidade. E é então que a sua pluma se transforma em sarcástica, a liberdade feminina requer a quebra do romantismo. Isto não significa retirar das vidas femininas a ideia do amor – ou histórias sobre o amor –, mas quebrar a ideia romântica da mulher, uma idealização baseada no conservadorismo; e é isto o que mais gosto neste romance de Jane Austen esta desconstrução do amor.

Ainda que os romances de Austen não representem uma completa quebra, apresentam elementos que devem ser considerados e valorizados. Mais do que valorizá-los, porém, é preciso valorizá-la. Austen foi uma mulher independente, que nunca casou, que sempre prezou o seu trabalho, que conseguiu prestígio numa sociedade conservadora e machista, apresentando personagens que, dentro do possível, demonstraram uma força inovadora.

Chegada a este ponto da minha reflexão sobre A Abadia de Northanger é justo citar Mary Wollstonecraft quando em pleno século XIX fazia uma crítica sagaz a uma das obras politico-filosófica da época, “émile ou de l’éducation” e dizia:

“Não luto contra as cinzas, mas sim contra as suas opiniões. Luto contra a sensibilidade que o levou a degradar a mulher e a fazê-la escrava do amor.”

Mary Wollstonecraft e Jane Austen tinham a mesma opinião sobre que o instrumento mais canalha, mas vergonhoso e mais cruel dos imperativos patriarcais era e continua a ser a consideração do amor romântico como o único e o verdadeiro amor onde os atributos do homem ressaltam e os da mulher se mantém discretos.

Jane Austen começa com A abadia de Northanger a mostrar-nos que precisamos analisar os nossos valores e mitos amorosos para descobrir quais continuam a configurar a nossa idealização de amor. Jane Austen sabia que era necessário des-idealizar o amor para ter amor do bom.

Com A abadia de Northanger aprendi…

… a não renunciar as minhas fantasias juvenis e à vontade de viver. Na companhia da honesta mente de Catherine, lembrei-me do medo que senti a primeira vez que fiquei sozinha em casa, a primeira vez que viajei a uma cidade nova ou a primeira vez que conheci alguém que me fez esquecer os medos e me fez sentir valorizada por aquilo que sou.

“Era o fim das visões romanceadas. Catherine estava completamente desperta.“ (A Abadia de Northanger)

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algumas r a p o s a s

Foto de Confraria Vermelha Livraria de Mulheres.
Foto desfocada como os fantasmas de Mr Fox

A primeira cabeça cortada aparece nas primeiras páginas. A escritora de descendência nigeriana Helen Oyeyemi não nos deixa respirar em Mr Fox, um escritor que não consegue deixar de ceder ao impulso de matar todas as mulheres protagonistas das suas histórias, incluída a sua.

Este romance de Helen Oyeyemi parece um conto de fadas, há uma musa. E aqui acaba a musa, porque a musa de Mr Fox, afeia a conduta do escritor e acaba por ganhar vida real desafiando-o. Barba azul, o conto de fadas de Charles Perrault, e algumas figuras mitológicas têm muitas coisas em comum com Mr Fox, o quarto romance de Helen Oyeyemi nascida na Nigéria em 1984 numa família que emigrou a Inglaterra quando ela tinha 4 anos de idade.

A escritora declara-se feminista não por ativismo mas no dia a dia: “Preocupam-me muito as agressões que sofrem as mulheres nas mãos de homens. Acredito que todos temos que denunciar esta realidade”. Em Mr Fox a agressão física e psicológica e o medo estão presentes em muitas das nove histórias que compõe este livro: desprezo, agressão, cabeças cortadas, atropelos… “Tentei questionar-me sobre o que têm que expiar homens e mulheres entre si, um pouco seguindo o experimento que realizou Margaret Atwood, que pediu a um grupo de homens que explicara o que temem nas  mulheres e onde a resposta foi que aquilo que lhes provocava medo era que elas se rissem deles. Ao colocarem a mesma questão a um grupo de mulheres, a resposta foi que as matassem. E essa é a diferença base: o nível de medo de cada um deles: as mulheres podem rir, mas os homem matam.”

Esta luta está no romance de Oyeyemi. A história parte de uma personagem, um escritor, que acredita que tem controlada a sua musa – Mary – mas as coisas mudam. “A musa ganha consciência, torna-se real, faz troça dele, até se torna cúmplice da esposa dele e ele fica com medo, tem medo que ambas se riam dele.” Esse é o medo dos homens, que nós nos riamos deles.“, reflecte a autora.

Contudo, Oyeyemi acredita que não há uma leitura feminista (eu também acho que não) em Mr Fox: “Tem outros códigos, como o poder da imaginação ou o significado da fidelidade nas relações ou o que é que pressupõe contar histórias.” Num dos relatos, Mary questiona Mr Fox sobre se ele tem consciência de que as pessoas imitam o que lêem. A comicidade também está presente em alguns dos relatos, especialmente quando a musa crítica o que ele escreve. E assim, vai emergindo também a mitologia e os contos. Daphne – esposa de Mr Fox – chamasse assim pela personagem de Rebecca (do romance de Daphne Du Maurier no qual a jovem esposa morre) mas também pela ninfa da mitologia que foge de Apolo e se transforma em árvore.

… a sua literatura trata de raposas, de algumas  raposas, como diz o título do último relato do romance. E de fantasmas, e de casas assombradas e lagos enfeitiçados que tornam estas circunstâncias motivos humanos, atemporais.

Oyeyemi diz que a lista de escritores que a inspira é longa: Graham Greene, Pushkin, Calvino os romances de Barbara Comyns. A escritora pratica curas de silêncio que consistem em não falar nada durante uma semana: “Incluído os email, que é o mais difícil. E planificar tudo muito bem porque, por exemplo, há que organizar a despensa para não ter que ir à mercearia comprar e falar. O silêncio absoluto ensina-te a não reagir perante as coisas e ao fim de uma semana apercebes-te que aquilo que parecia muito importante, afinal não era.” Reconhece que esse “voto de silêncio” tem algo de espiritual e que a fortalece.

Como podem ver nada em Helen Oyeyemi é evidente. Não nos podemos levar pelas aparências, algumas pessoas vão dar por certo que por ser filha de emigrantes nigerianos, declaradamente feminista, a sua escrita aborda a imigração, os conflitos raciais e a denúncia da violência contra a mulher, mas apesar destes e outros problemas preocuparem a escritora a sua literatura trata de raposas, de algumas  raposas, como diz o título do último relato do romance. E de fantasmas, e de casas assombradas e lagos enfeitiçados que tornam estas circunstâncias motivos humanos, atemporais.

A conclusão de Mr Fox (se é que há conclusão) é retornar às origens da arte narrativa: os contos de fadas. O talento de Helen Oyeyemi consegue recuperar uma experiência que tem sido negligenciada por parte da maioria dos narradores modernos, a de que poucos recursos podem ser tão emocionalmente descritivos como os símbolos implícitos nos animais falantes ou os corações que palpita sem dono. Esses elementos arcaicos, empregados com audácia e beleza por uma escritora dona da linguagem, são um sorvo de água fresa para as leitoras e leitores mas também para o ofício de contar histórias.

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