O Feminismo não está na moda, nunca esteve e se um dia chegar a estar (espero que sim) é porque alcançou o seu objectivo final que tão bem sintetizou Angela Davis (os parêntesis da frase são meus).
O(s) feminismo(s) é a ideia radical que sustenta que as mulheres (e todos os seres humanos) somos pessoas.
Estar na moda acontecerá nesse momento em que os feminismos só sejam necessários para dançar!
Tenho pensado muito sobre repetirmos que “O Feminismo está na moda” e acho que esta frase afirmativa foi lançada ao mundo pelos esbirros do sistema patriarcal/capitalista para nos confundir. Há meia dúzia de anos atrás, os mesmo que dizem que o ‘Feminismo está na moda’, diziam que o Feminismo tinha morrido. E agora está na moda?!! Confuso?!!
Pensemos juntas, começam aparecer artigos em jornais e revistas que colocam em destaque (na moda) a palavra Feminismo:
Mas estes artigos de jornais e revistas contribuem realmente para explicar que o feminismo é um movimento filosófico e político, com três séculos de história e que não terminou com o direito ao voto? Que o direito ao voto foi apenas o ‘princípio’? Que o sufragismo apenas colocou sobre a mesa os direitos das mulheres e que nesse momento o feminismo se transformou em Feminismos? Que o feminismo não é o contrário de machismo? …
Não podem nos dar por desaparecidas e depois dizer que estamos na moda. Não faz sentido! É contraditório para além de falso. Mas já sabemos que a relação entre capitalismo e patriarcado, não é uma relação/sistema coerente mas sim contraditória e estar atentxs a essas contradições faz parte da nossa luta política.
Nesta questão, a contradição está mais do que clara, só se as feministas formos como Jesus Cristo e ressuscitarmos para agora estar na moda!!! Não me parece!! Os Feminismos nunca desapareceram, pelo contrário, moveram-se, removeram-se e transformaram o mundo e com ele a todos e a todas os seus habitantes, feministas ou não. Além disso, os Feminismos não podem estar na moda porque funcionam como mecanismos de alerta da consciência individual e o fazer coletivo, como o pacifismo, a sustentabilidade ambiental, a erradicação da fome, o analfabetismo ou a pobreza.
Que nos últimos anos ouvimos falar mais de Feminismos nos meios de comunicação, na política, na mesa do café da esquina até chamamos ao século XXI, o “século das mulheres” e tivemos em 2018 a Primeira Greve Feminista Internacional com uma presença de mulheres nas ruas que a transformou num momento histórico dos Feminismos e da História, o que não significa que os Feminismo estejam na moda e sim que as mulheres estamos FARTAS, fartas da discriminação, fartas da violência, fartas que não se nos considere pessoas.
A discriminação das mulheres nas suas oportunidades vitais varia de uma país para o outro mas é uma constante e cada vez mais somos conscientes disso, cada vez mais somos interpeladas pelas palavras de Audre Lorde, “Eu não serei livre enquanto houver mulheres que não o são, mesmo que as suas algemas sejam muito diferentes das minhas” e as palavras nos levam a ocupar as ruas, a organizar-nos, a autodefender-nos…
Agora que nos levantamos já não há volta atrás, Emily Dickinson já nos tinha avisado que “Ignoramos a nossa verdadeira estatura até que nos pomos de pé.”
Estamos de pé e repito, não estamos na moda, estamos FARTAS!
Agora que estamos de pé, que temos consciência da nossa estatura e da nossa estatura JUNTAS podemos perceber o que há por trás da frase “O feminismo está na moda”. Parece-me que é mais uma estratégia do medo que o patriarcado/capitalismo tem das mulheres sem medo (como diria Eduardo Galeano). Tentado com esta frase vender-nos a ideia de que a igualdade é mais igual do que nunca e que a nossa luta já está recompensada. Já votamos, já estudamos, já trabalhamos, já temos contraceptivos… Já alcançamos a liberdade!
Sim caros esbirros do patriarcado, as feministas logramos que as mulheres possam estudar/educar-se, votar, ganhar o seu próprio dinheiro, decidir se querem colocar criaturas neste mundo ou não e quando… Sim, conseguimos muito mas ainda não é o suficiente. E não é suficiente porque ainda hoje não existe um único lugar onde nenhuma mulher, pelo simples facto de sê-lo, não esteja neste exacto momento, em que escrevo e que tu lês, a ser vendida, escravizada, escondida, privada de direitos…
Por este motivo como feministas, como mulheres e como seres humanos, e sendo conscientes da realidade que descrimina pelo género, pela classe e pela raça devemos questionar-nos que tipo de feminismo necessitamos para avançar em direcção a uma sociedade mais justa e livre. Será um que está na moda?
Como disse Nancy Fraser, a questão é se queremos um feminismo neoliberal com base numa ideia de liberdade, igualdade e independência de corte meritocrático e individualista ou se pelo contrário, escolhemos um/uns feminismo(s) que proponham uma idea de liberdade com base na democracia radical que aposta pela paridade absoluta na participação em todas as esferas da vida social. Aqui está a questão que encerra a frase “O Feminismo está na moda”.
Está na moda dizer que o feminismo está na moda.
Já fomos consideradas perigosas (as sufragistas), mesmo sabendo que as únicas armas dos Feminismos, são o argumento, a acção política e a sororidade, depois fomos consideradas imorais (anos 60/70), depois desaparecidas (anos 90) e agora a moda é dizer que estámos na moda!!!
Nem perigosas, nem imorais, nem desaparecidas, nem na moda, FARTAS!
E estamos aqui para mudar o mundo como disse Emmeline Parnkhurst.
Não estamos aqui por sermos infratoras da lei; estamos aqui por um esforço para nos tornarmos as feitoras da lei.
Emmeline Parnkhurst
Esta evolução sem lógica que o patriarcado/capitalismo desenha dos Feminismos e das feministas explica o porquê de durante décadas a bagagem argumentativa e a acção política e social dos feminismos ter sido confiscada e distorcida em cada uma das possibilidades históricas de adquirir salvaguardas na expansão dos direitos das mulheres.
Nada evitou que em cada transformação que provocou e provoca a (R)evolução Feminista não tenha sido marcada com a etiqueta que mais convém em cada momento histórico: o feminismo é perigoso, o feminismo é imoral, o feminismo desapareceu… o feminismo está na moda. Para mim dizer que o feminismo está na moda, principalmente pelos meios de comunicação e pelas vozes da política é mais uma das muitas atitudes condescendentes que se tem com o movimento feminista e com as mulheres, “é uma moda, já passa” e assim mais uma vez tentam transformar os feminismos como não-prioritários, minoritários e até desnecessários.
Nada de novo portanto, se não fosse que chegamos a um ponto sem retorno, depois das recentes ações internacionais feministas conhecemos a nossa estatura colectiva e isso dá muito medo! Continuam a usar o mesmo argumento, o mesmo argumento usado após as revoluções socialistas, anarquistas, comunista, onde a nova ordem social considerava, após o horror dos fascismos, que o feminismo teria a resposta dos sistemas democráticos e alcançaria, pela lógica da justiça social e o respeito dos direitos humanos, os seus propósitos. Por isso já não era necessário ser feminista bastava-nos com ser democratas/humanistas. Agora acontece o mesmo, a mesma mensagem lançada: “Mulheres e pessoas em geral, não vale a pena se alistarem ao feminismo, o feminismo está na moda mas a moda já passa e bastará com serem democratas/humanistas”.
O feminismo está na moda mas não é uma moda.
Vamos mostrar-lhes que estão errados, é verdade que os feminismos podem estar na moda, no sentido da explosão mediática, que tem o seu lado positivo, é bom que mais pessoas falem de feminismos e que circule mais informação é como um banho de imersão mas depois do banho temos que lutar contra a banalização e não ficar só a partilhar e comentar no facebook. Há muitas formas de nos juntarmos à (R)evolução Feminista, cada uma de nós tem o seu papel.
Mas esta vez não vai ser fácil o patriarcado/capitalismo marcar golo… lembram-se do motivo primordial pelo qual nos estamos a auto-organizar e a invadir as ruas? Estamos FARTAS!
Reclamaria todas as medidas que considero necessárias para modificar a situação deprimente em que se encontra a mulher, (…) [entre elas] conseguir a igualdade de salários, quando a mulher produza tanto como o homem.
Carolina Beatriz Ângelo,
a primeira mulher a votar na Península Ibérica em 1911.
Biblioteca de imprescindíveis
para estar na moda
- Racismo no País dos Brancos Costumes de Joana Gorjão Henriques | pvp 15.90€
HISTÓRIAS REAIS DO PORTUGAL RACISTA QUE AINDA VIVE NO MITO DO NÃO-RACISMO
Um homem quer alugar uma casa, mas assim que diz o seu nome africano deixa de receber respostas. Uma avó da Cova da Moura é atirada ao chão por um polícia quando pergunta pelo neto. Uma mulher negra com formação superior vai ao hospital e perguntam-lhe se sabe ler as placas informativas. Por causa da cor da pele. Tudo isto acontece em Portugal, a portugueses negros, e é contado na primeira pessoa no livro No País dos Brancos Costumes, que dá continuidade à investigação de Racismo em Português. Assim se completa o retrato de um país que em 1982 deixou de atribuir a nacionalidade portuguesa aos filhos de imigrantes nascidos em Portugal, e onde ainda há quem encontre listas de escravos (com os respectivos preços) nos baús dos avós, entre outros brandos – brancos – costumes.
2. Contributo para a História do Feminismo de Marx, Engels, Lénine e Kollontai | PVP 15€
Contributo para a História do Feminismo é a recolha de textos mais significativos e emblemáticos de Marx, Engles, Lénine e Kollontai sobre a importância da mulher na sociedade. Onde a abolição da família é teorizada e é feita a demonstração de como a família, no entender dos marxistas, está no centro da exploração da mulher. O feminismo, e particularmente o movimento das sufragistas, tem um especial incremento com a revolução industrial, contemporânea de Marx, e este movimento social e industrial é a raiz da revolução de Outubro na Rússia.
Esta publicação assinala os 200 anos do nascimento de Karl Marx, assim como a importância dos vários movimentos feministas que se tem vindo a destacar a uma escala global.
3. Medusa no Palácio da Justiça ou Uma História da Violação Sexual
de Isabel Ventura | PVP 23.90
Violação, estupro, atentado ao pudor, assédio: a primeira grande investigação sobre violência sexual em Portugal.
Houve tempos em que uma violação podia ser perdoada se o agressor casasse com a vítima, para reparar o mal feito à família (e não à mulher). Durante décadas, a lei (e a medicina) defendia que uma violação não se podia consumar se a mulher não quisesse. Até depois dos anos 1980, só se considerava violação quando havia cópula completa, ou seja, penetração vaginal com ejaculação — preferencialmente, com marcas claras de violência, para provar que a mulher resistiu até ao fim.
E há, até aos dias de hoje, acórdãos de tribunal a julgar o comportamento das vítimas e a encontrar atenuantes para o crime quando uma mulher é «experiente», adúltera, provocadora. Analisando todas as teorias — das feministas às científicas —, séculos de leis e centenas de casos em tribunal, Isabel Ventura faz um retrato inédito da violência sexual em Portugal.
Medusa no Palácio da Justiça ou Uma História da Violação Sexual descreve preconceitos de género que fazem com que este crime ainda seja considerado menos grave do que alguns furtos, e mostra o quanto a letra da lei — mesmo quando evolui — continua sujeita a interpretações toldadas por um pensamento falocêntrico e conservador, compreensivo para com o agressor e desconfiado para com a vítima.