Gabriela Gomes teve um acidente tropical

Este mês de Novembro vamos receber na Confraria a Gabriela Gomes e o(s) seu(s) ‘acidentes tropicais ‘

A leitura do livro-vivo ‘acidentes tropicais’ será dia 15 Novembro às 19h e as inscrições estão abertas.

Para conhecer melhor a poesia da Gabriela Gomes e o seu livro-vivo ‘acidentes tropicais‘ partilhamos este post-entrevista. Esta entrevista foi partilhada a primeira vez no IG da Confraria.


Quem é a Gabriela Gomes? O que é para ti a poesia?
Gabriela Gomes é antes de tudo uma pessoa que escreve desde pequena mas que só conseguiu assumir isso pra si mesma em uma escrita que ultrapasse os diários quando comecei a me dedicar a escrita de poemas. Poesia pra mim é quase um modo de ver a vida. É um modo de estar no mundo e registra-lo é a nossa percepção materializada da nossa sensibilidade. A poesia me salva diariamente.

A poesia é fixar o nosso olhar num detalhe e em outro, talvez parar naqueles detalhes em que ninguém parou, é assim a poesia que vamos encontrar em ‘acidentes tropicais’?
A poesia do @acidentestropicais está inserida nesse contexto de detalhes que as vezes nos passam desapercebidos. Uma tensão entre um presente sem toque e diálogo e o saudosismo de um passado de fazer geleias de amora com a avó. O acidentes fala mais alto no cerne da autobiografia e da família. Um registo da poeta que sou e das minhas andanças neste mapa que é o mundo.

Descreves ‘acidentes tropicais’ como um #livrovivo ? Conta-nos um pouco mais.
A poesia do @acidentestropicais está inserida nesse contexto de detalhes que as vezes nos passam desapercebidos. Uma tensão entre um presente sem toque e diálogo e o saudosismo de um passado de fazer geleias de amora com a avó. O acidentes fala mais alto no cerne da autobiografia e da família. Um registo da poeta que sou e das minhas andanças neste mapa que é o mundo.

A tua poesia é uma tentativa de comunicar desde um eu muito presente e desde a própria biografia…
A minha poesia no acidentes é uma eterna busca do eu como poeta. Desse assumir. De pegar para mim o título que me cabe. Nomear é um ato de poder dizia Rosmarie Waldrop. Eu tive que me nomear poeta para conseguir me assumir escritora. Um livro teve que nascer pra eu conseguir assinar em formulários hospitalares “ocupação: escritora”. O acidentes me nomeou poeta diante do mundo mas principalmente diante de mim mesma. Um livro nomeia, me ajuda com o luto, me faz levantar da cama e escrever. Nesse primeiro livro ser autobiográfico é quase indissociável da minha poesia.  Como @estela_rosa me disse uma vez: uma mulher lendo seus poemas são todas as mulheres lendo todos os seus poemas. ♥

Para terminar, todas as escritoras/poetas também são leitoras, o que estás a ler neste momento?
É difícil cravar 100% mas acho muito difícil escrever sem ler! É preciso buscar referências, se inspirar, saber o que estão escrevendo, trocar, ler, editar, enfim. Muito da minha vinda pra Portugal veio dessa vontade de buscar novas referências, novas vozes, e outros sotaques da mesma língua. Posso dizer que estou sempre lendo varios livros ao mesmo tempo o que faz com que eu demore pra terminar mas cito aqui dois que estão me fazendo grifar todas as páginas de papel: O retorno de Dulce Maria Cardoso e Os elétrons não são todos iguais e outros poemas da Rosmarie Waldrop. Além disso estou sempre lendo amigas e amigos escritores, trocando, compartilhando e produzindo em grupo também faz a gente crescer! É isso.
Obrigada pelo espaço Confraria Vermelhae torço por mais núcleos importantes de leitura, partilha e literatura como este no mundo!

Também podem deixar as vossas questões e mensagens para a Gabi nos comentários. ⚡

10 perguntas a Elisabeth Oliveira

Na próxima sexta-feira,  a Confraria Vermelha e a Livraria Poetria juntam-se para a apresentação de Poesis, da poeta galega Elisabeth Oliveira.

Aproveitei que vamos recebe-la no “nosso quarto próprio” para conversar um pouco com ela e conhecer melhor a sua escrita.

 

Ler e escrever salvaram-me a vida na adolescência.

Houve um dia no qual decidiste ser escritora?

Eu ainda não sei bem se sou escritora, se sou poeta, ou uma mulher que um dia decidiu levar os seus poemas a mais gente depois de descobrir que quem me ouvia tinha interesse em ouvir mais e ler o que eu escrevia. Só o tempo dirá…

Escrevo desde os catorze anos, sobre tudo poesia (mas tenho vários inícios de romances na gaveta e alguns contos). Ao princípio, como para muitas e muitos poetas foi por uma necessidade catártica, depois porque sentia que tinha coisas importantes para contar, por jogar com o sabor das palavras também. Lembro bem o desânimo que me invadiu ao ler os poetas franceses do século XIX, pensando que nunca poderia chegar a tal qualidade, mas houve uma poeta portuguesa que me tirou esses complexos da cabeça: Florbela Espanca, que descobri aos quinze anos, mostrou-me que se pode falar com simpleza de coisas profundas, que se pode até chegar a mais gente. E graças a ela, comecei a escrever em português, até esse momento só o fazia em francês. Acho que decidi que gostaria ser escritora com ela, aos quinze anos.

O que é ser escritora?

Ë basicamente escrever e publicar livros, não?

Mais além desta evidência, estou convencida que não é só isso, que se é escritora, e mais ainda poeta, no dia-a-dia. Acho que a escritora, como qualquer artista, filósofa, ou jornalista, é sempre, a cada instante, escritora. Tem um olhar particular sobre o mundo, crítico, e a partir do que observa e passa pela sua percepção do mundo, construí um universo no que também vêm a ter vida situações e personagens. Isto não se dá simplesmente por um golpe repentino de inspiração, nem tem a ver com o talento (o talento vai dar mais valor ou menos valor literário ou artístico mas não define o artista), é uma soma de observação, filtros, reflexão, imaginação… Vem também acrescentar-se a isto tudo um trabalho diário de leitura e escritura.

Hoje, escrevo para denunciar, ou reinventar o mundo, também para dar esperança na possibilidade do cambio, às vezes só para imortalizar algo ou pela beleza das palavras.

 O facto de seres mulher influência o oficio de escrever?

Seria impossível negar esse facto. O género em si não é o que condiciona na maior parte a escrita, mas a vida que leva uma mulher faz com que escrever seja, do meu ponto de vista, mais difícil. E isto por simples questões práticas: sou mulher, mãe, professora… isto ocupa quase todo o meu tempo, pois a sociedade pede de mim tarefas que ainda não se exigem aos homens —muitos escritores têm detrás uma mulher para liberá-lo de outras ocupações—; cuidar da casa, das filhas, não descuidar a minha profissão, são impedimentos para poder escrever mais. Mas existe outras questões, ser mulher influência a minha forma de ver o mundo e também exige de mim falar precisamente da mulher, das desigualdades, das injustiças por motivos de género, das dificuldades de sermos mesmo tomadas com a mesma seriedade que os escritores masculinos (ainda persiste a ideia de que há uma literatura de e para mulheres, com uma conotação pejorativo de facto). Isto nota-se na minha escrita, e vai-se notar mais ainda na próxima obra que está quase pronta.

 Porquê escrever?

Escrever foi no princípio, como já disse, uma necessidade vital. Ler e escrever salvaram-me a vida na adolescência. Descobri que havia por onde escapar à realidade. Escrevia para inventar-me um mundo onde respirar livre. Hoje, escrevo para denunciar, ou reinventar o mundo, também para dar esperança na possibilidade do cambio, às vezes só para imortalizar algo ou pela beleza das          palavras. Duas coisas hão-de salvar a humanidade: o amor e a beleza, e isso, penso eu, começa nas artes. Mas não é que a arte em si salve, o que faz é que leva o ser a pensar, e pensar é a porta a agir. Não concebo a escritura isolada da sociedade, ao contrário, escrevo para mudar, na medida do possível, o mundo.

Também escrevemos para compreender, há coisas que só escrevendo, ou lendo, sou capaz de entender, a multiplicidade do ser humano por exemplo, na vida real não consigo entender muitas coisas que porém nas leituras consigo entrever.

Quem te inspira, quem admiras?

Há muitas pessoas à minha volta que admiro e que me inspiram. São na maioria mulheres que pela sua luta diária e anónima fazem com que o mundo e a condição das mulheres sejam melhores. São activistas, escritoras, políticas, artistas, mães de família que educam na igualdade, jovens que organizam grupos de apoio…

Na literatura admiro muito Sofia de Mello Breyner, Simone De Beauvoir, as galegas Fina Casaderrey,Yolanda Castaño, Eli Ríos e uma lista longa de escritoras galegas que fui conhecendo desde a publicação do meu livro e que, como pode ver, não foram ou são só escritoras mas também activistas.

E alguns homens também cujas ideias e actos são exemplos para todas e todos nós: José Luis Sampedro, José Saramago, Joan Manuel Serrat, José Afonso e mais perto, o escritor galego Francisco Castro (um dos escritores galegos mais lido por mulheres), em todos os âmbitos encontro gente que me inspira. Mas no que diz respeito à minha escrita poética, sei que tenho recebido muita influência de autoras e autores de canções, tanto franceses, portugueses, espanhóis ou galegos.

Tens algum ritual ou mania antes, durante ou depois de escrever?

Acho que não. Salvo o de comprar um caderno e uma caneta nova quando começo um projecto, ainda que este hábito está a ser substituído desde há uns anos por escrever cada vez mais directamente no computador. Só fica o hábito de escrever com uma chávena de café ao lado ou um copo de vinho, segundo o momento do dia.

Planificas a estrutura do livro,como surgiu a ideia de a Poesis?

POESIS nasceu como uma recompilação de vários anos de poesia. E é precisamente por isso que está em quatro línguas e com um disco de canções feitas a partir dos poemas por grandes compositores que eu conheci há relativamente poucos anos. Esta colectânea não seria a que é se a publicasse há cinco anos atrás. Foi quase de repente, ao passar os meus poemas ao computador que me surgiu a necessidade de publicá-los. Então, tive de fazer uma trabalho de estruturação, tradução e correcção, mas foi depois de os ter escrito. No segundo livro de poemas, que espero ver publicado no próximo ano, sim que houve planificação, porque é um livro sobre um tema particular. Aí tive de trabalhar com um plano de progressão que não existiu em POESIS.

No caso dos romances ou dos contos, e estou neste momento num projecto de romance, sim que preciso de planificar a história, as personagens, estruturar o que vou contar.

Hoje escreveste?

Hoje ainda não por ser ainda cedo… Mas escrevo todos os dias, ou corrijo o que tenho escrito. Isso é o que estou a fazer estas últimas semanas: corrigir o poemário do que falava acima.

O que achas que vamos ouvir dizer de Elisabeth Oliveira daqui a 10 ou 20 anos?

Não sei o que se dirá de mim em dez anos ou vinte anos mas espero estar aqui para descobri-lo. O que eu gostava de ouvir dizer é que a minha escrita serviu para algo, para alguém.

O que estás a ler neste momento

Estou a ler obras de duas escritoras galegas: Un cesto de mazás de Montse Fajardo que fala de vítimas galegas durante a Guerra Civil espanhola e Na casa da avoa, um poemário de Marta Dacosta. Vou alternando os dois.

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Foto de Confraria Vermelha Livraria de Mulheres.

No próximo dia 27 de Outubro convidamos a todas as pessoas para a apresentação do livro Poesis de Elisabeth Oliveira,

‘Poesis’ é um livro-cd que recolle 160 poemas escritos entre 1990 e 2014. Podemos encontrar estes poema em quatro lìnguas (galego, português, francês e castelão); poemas que se transformam em canções com a colaboração de Manoele de Felisa, Gustavo Almeida, Cédric Lezais e Luis Quintana.

O livro conta com o prólogo da escritora Fina Casalderrey e a capa está Ilustrada com a obra de Antón Sobral ‘Horizonte XXIV’.

Na apresentação vamos ter a presença de Elisabeth Oliveira e dos músicosManoele de Felisa e Cédric Lezais que colaboram na obra.

A Livraria Confraria Vermelha e a Livraria Poetria têm o prazer de convidar-vos a este concerto-recital e a apresentação do livro-CD.

Este evento conta com o parceria da Livraria Poetria.

 

Textos escrito por

10 perguntas a Raquel Gaspar Silva

Raquel Gaspar Silva nasceu em 1981, em Évora. Licenciou-se em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Estudou Criatividade Publicitária na Restart. Fábrica de Melancolias Suportáveis é o seu primeiro romance, um romance cuja ação decorre no Alentejo, marcado por um registo muito português. Talvez foi o que mais gostei neste livro, as tradições portuguesas como pano de fundo, os provérbios e rituais, os “dizeres”  como linha da verdade para alguns dos personagens.

Carlota é o nome da protagonista. É a história da própria Carlota contada através das imagens que guarda dos outros o que encontramos neste Fábrica de Melancolias Suportáveis, uma leitura quase visual.

Raquel Gaspar Silva uma nova voz na literatura portuguesa que podes também conhecer através do projeto de poesia, #domesticliteraturemovement, onde publica com o pseudónimo rawquel.

Escrever é a minha vocação.

Houve um dia no qual decidiste ser escritora?
Houve um dia em que o meu editor, depois de muito trabalho conjunto, me perguntou: “Vamos fazer um livro Elsinore?”.

O que é ser escritora?
Eu distingo o estatuto do acto de escrever. Escrever é a minha vocação. O estatuto é a condição que advém de fazer da escrita a minha actividade profissional.

O facto de seres mulher influência o ofício de escrever?
Sim. Escrevi este primeiro romance enquanto mãe a tempo inteiro e dona de casa. Encontrei o meu ritmo entre mudas de fraldas e preparar refeições, e outras tarefas inerentes a esta responsabilidade. Optei por ficar em casa com a minha filha em vez de trabalhar. E é nesta escolha que fiz, que reside o preconceito, porque a sociedade vê aqui um luxo. E devia ser um direito, acessível a todos. Há depois a questão da condição feminina, que sempre me interessou e perante a qual me posiociono do lado da luta pela igualdade.

Porquê escrever?
Costumo dizer: para arrumar fantasmas. Mas para simplificar, funciona como uma necessidade e um dever. Quando te surge a ideia de um livro, escreves. Se erras, assumes. É uma consequência da tua determinação, evitas o arrependimento (os tais fantasmas) de nunca o teres feito. Ou pelo menos tentado.

Quem te inspira, quem admiras?
Admiro valores, talento e trabalho árduo.
Enquanto leitora, tenho as minhas preferências:
Clarice Lispector, Anne Sexton, Nabokov… não acaba mas foram os primeiros nomes que surgiram.

Tens algum ritual ou mania antes, durante ou depois de escrever?
Escrevo mais fluidamente e com melhores resultados de manhã, bem cedo, de preferência quando tudo dorme ainda. Tiro muitas notas, tenho vários cadernos e folhas soltas onde anoto frases ou palavras.

Planificas a estrutura do livro, como surgiu a ideia de a Fábrica de Melancolias Suportáveis?
Fábrica de Melancolias Suportáveis é um depósito de memórias sentimentais. Contei uma história que já conhecia. Ficcionei uma história que conhecia. Depois de muito trabalho conjunto de edição, que inclui reescrever, selecionar, acrescentar, organizar e aperfeiçoar, surge o livro. Sei que o método será diferente no próximo romance.

Hoje escreveste?
Sim. Um mini guia de viagem. Uma lista de afazeres. Um esboço de algo que estou a preparar. Como já são 9.30 da manhã, retomo amanhã.

O que achas que vamos ouvir dizer de Raquel Gaspar Silva daqui a 10 ou 20 anos?
Espero continuar a escrever, o que dirão não consigo prever.

O que estás a ler neste momento?
Herta Muller, Hoje preferia não me ter encontrado.

 

 

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