Filha da Fortuna de Isabel Allende por Almerinda Bento

Filha da Fortuna é um grande romance de Isabel Allende cuja acção decorre entre os anos 1843 e 1853.

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Clube de Leitura As leitoras de Pandora | Junho – A Filha da Fortuna

A figura central desta obra é Eliza Sommers mas, Isabel Allende, na senda do que é habitual na sua escrita e estilo, faz-nos retratos riquíssimos de inúmeras personagens que de forma pontual ou no tempo, partilham experiências ou percursos de vida com a heroína Eliza Sommers. Tudo isto, contextualizado na vida e na história do Chile e da Califórnia, em meados do século XIX.

Aliás, uma boa parte deste romance retrata o fenómeno que foi a corrida ao ouro na Califórnia: os sonhos, a aventura, o descobrir um mundo novo, a vida dos mineiros, o racismo, o desapossar os índios das suas terras, as diferentes comunidades imigrantes e as suas diferenças, as prostitutas e o que é viver num mundo só de homens, o papel das mulheres na nova sociedade californiana, quando a febre do ouro já tinha passado!

Eliza, a recém-nascida abandonada dentro de um caixote de sabão de Marselha, adoptada e acarinhada pela família Sommers tem, desde o início, a sua origem envolta em mistério; esses mistérios, os silêncios, os segredos de família vão sendo desocultados ao leitor à medida que a narrativa avança. O facto de ela ter abandonado a casa da família que a adoptou atrás de um amor de juventude – a sua quimera do ouro – abandonando o conforto, a segurança e as convenções e sobrevivendo do ponto de vista físico e emocional a todas as adversidades, nem que para isso se tenha sujeitado a apagar a sua identidade, fingindo-se de homem numa sociedade de homens, deram-lhe a força necessária para sobreviver e para se tornar na mulher forte que foi e que nos aparece neste livro e em “Retrato a Sépia”, a obra que Isabel Allende escreveu depois desta. Tal foi possível não só pela sua obstinação, pela sua crença no amor, pela sua forte personalidade, mas também pelo apoio que sempre recebeu do seu amigo Tao Chi’en, mesmo distante e quando o contacto só era possível através da escrita de cartas e de um diário. E o dar-se conta dessa imensa conquista que é a liberdade e o ser-se livre é, quanto a mim, aquilo que para Eliza é a maior felicidade e descoberta da sua vida.

É um livro muito bem escrito, muito bem documentado, que aborda a condição das mulheres em sociedades patriarcais e em particular o papel inquestionável de submissão que é atribuído às mulheres chinesas e que é assumido pela sociedade chinesa. Se umas usavam espartilhos, as outras tinham os pés enfaixados e esmagados desde crianças mas, salvas as diferenças, a desigualdade é uma constante quer se trate de mulheres ocidentais ou orientais, face aos seus parceiros do sexo masculino.

Eliza sobreviveu porque foi uma lutadora e porque acreditou num objectivo, neste caso o amor. E essa imensa força foi reforçada com a aprendizagem da liberdade e da luta contra as convenções e espartilhos sociais numa sociedade conservadora em pleno século XIX.

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