O livro do clube de leitura de junho não teve unanimidade nas valorizações das leitoras. Tivemos Pandoras que gostaram e outras que não conectaram com Vasto Mar de Sargaços de Jean Rhys.
Jean Rhys e o seu vasto mar de lamentações
Ella Gwendolen Rees (Jean Rhys), nasceu em 1890 na ilha da Dominica, quando ainda era colônia britânica. Filha de um galés e de uma criola descendente de uma família de proprietarios de plantações, viveu a emancipação dos escravos africanos, a desestruturação social e econômica das famílias de origem europeu e os vai-vém do pós-colonialismo. Na sua biografia podemos descobrir uma infância na qual se sentiu abandonada e rejeitada pela mãe, o que a marcou profundamente. Um alcoolismo que nunca superou, vários maridos, os homens sempre estiveram na sua vida como apoio e sustento econômico. A escritora sempre teve uma preocupação pelo dinheiro, pela aparência e pelo reconhecimento literário, que chegou tardiamente com a obra Vasto Mar de Sargaços de Jean Rhys, considerada uma das referências da literatura inglesa do século XX.
Vasto Mar de Sargaços de Jean Rhys foi publicado 1966 e como mencionei supõe o reconhecimento da escritora depois de cinco romances que passaram bastante despercebidos e que a afastaram da cena literária. O livro tem como ponto de partida a personagem Antoinette Cosway, a primeira esposa de Rochester, a enigmática personagem do romance Jane Eyre de Charlotte Brontë. O jogo literário é a partida interessante, a esposa louca que vive encerrada num sótão e que termina provocando um incêndio e suicidando-se, e da qual apenas temos um esboço na obra de Brontë, o que deu liberdade a Rhys para (re)construir o seu passado.
A obra de Rhys está repleta de elementos autobiográficos, a autora constrói uma personagem desgarradora mas pouco profunda, uma protagonista com uma infância onde lhe falta amor mas lhe sobram penúrias e momentos dramáticos que lhe provocam uma constante insegurança e uma persistente sensação de melancolia e solidão. De certa forma é uma personagem oposta a Jane Eyre, que teve uma infância igual ou mais terrível que Antoinette mas que tenta contrariar o seu destino com um carácter animoso e resiliente, Rhys cria em o Vasto Mar de Sargaços, o oposto, uma anti-heroína, uma personagem real, reconhecível mas com a qual nem sempre vamos empatizar, uma personagem na qual podemos reconhecer muito da própria autora, ambas arrastaram uma autodestruição desde a infância.
A falta de autoestima levam a Antoinette a afastar-se de quem lhe pode proporcionar felicidade, a estrutura patriarcal priva-a de todos os seus bens e até do próprio nome. Como uma marioneta, como uma boneca, a jovem sente que não pode controlar o seu destino e deixa-se cair em queda livre até ao inferno. Antoinette sofre o desgarro do que pressupõe viver entre duas culturas, ama a ilha e ao mesmo tempo tem medo da sua própria gente, luta por pertencer a um lugar, e é o facto de ser levada para fora de esse lugar o que por fim a conduz a loucura.
Toda a peripécia vital das personagens parece ser uma metáfora da situação política e social. Por um lado Antoinette e a mãe representam o mundo criolo, por outro o esposo representa o colonizador que querer tirar o maior partido possível da ilha mas que nunca chega a amá-la, temos Cristophine, uma personagem magnífica, a escrava que pouco a pouco, com força e inteligência, vai tomando as rédeas da sua liberdade e o seu futuro. Junto a estas personagens temos os criados, o povo do caribe, também entre dois mundos, ignorantes e poderosos, perpetuam a vingança do seu povo: violentos e presos a magia e ao mistério pouco a pouco vão tomando a possessão da terra.
Há leitoras que destacam neste livro o seu estilo contemporâneo, os jogos estruturais com mudança de narrador, o lirismo com o qual se recria o ambiente, a exuberância, o calor, a beleza da paisagem assim como os estados de ânimo das personagens. Outras leitoras destacam a exposição clara de certos temas e há quem destaca as incoerências da narrativa face a obra que tem como ponto de partida e a pouca clareza da prosa.
Vasto Mar de Sargaços retrata uma época na qual a mulher pertence ao homem (até 1880 legalmente a mulher era considerada um bem que primeiro pertence ao pai e depois ao marido) e que nem sequer tem direito a um nome, uma época na qual os povos colonizados se levantam contra os seus opressores, Rhys escreve uma obra que se por um lado nos parece um argumento a favor da liberdade por outro lado não é mais do que um lamento e um olhar sobre os que sofrem, sobre os que não sabem enfrentar as penalidades da vida, sobre os que não sabem lutar, os que não sabem como fazê-lo ou os que simplesmente nem sequer querem lutar.
E vocês já leram Vasto Mar de Sargaços? O que acharam? Partilhem connosco nos comentários, vamos adorar saber as vossas opiniões.