“I was following a phantom in my mind, whose shadowy form had taken shape at last.”
Descrito como romance gótico, Rebecca de Daphne du Maurier é um livro intenso. Na minha memória ficaram as sensações em sombras de uma procura por uma verdade em várias formas. Porque Rebecca, apesar de dar nome à obra, nunca se materializa. E eu, tal como a narradora, vi-me envolvida na busca por esta forma, por esta sombra que ocupa o espaço do livro até ser, na sua ausência, mais presente do que qualquer outra personagem.
A narradora é uma personagem cujo nome não é pronunciado e cuja personalidade nunca se pronuncia. Quando casa com Maxim recebe o nome de Mrs. de Winter e esse nome torna-se o espaço que ocupa na sua narrativa, na sua realidade e na sua identidade. Sem que seja nunca esquecido que é apenas a segunda Mrs. de Winter. Porque em Manderley, a casa que guarda em si todas as formas de todas as verdades que a narrativa vai revelando, viveu e morreu Rebecca, a primeira Mrs. de Winter.
Mas Rebecca não é um fantasma, é uma sombra que paira sobre a vida da narradora; é uma sombra que consome as personagens que com ela viveram, que consome a casa que guarda a sua verdade e os seus segredos, que consome o livro até fazer do título o seu nome, deixando a narradora sem nenhum.
Na casa a sombra de Rebecca atinge uma intensidade que materializa a sua forma em cada gesto da narradora. A parcialidade com que ela é descrita e o silêncio que sobre ela se guarda ocupam a realidade da narradora até ser por Rebecca que cada gesto é medido. Até ser com Rebecca que cada palavra é comparada; até ser através de Rebecca que a acção passa numa sombra que domina até o tempo em que sua vida já não existe.
Mas Rebecca não é um fantasma, é uma sombra que paira sobre a vida da narradora; é uma sombra que consome as personagens que com ela viveram, que consome a casa que guarda a sua verdade e os seus segredos, que consome o livro até fazer do título o seu nome, deixando a narradora sem nenhum. Numa dualidade de presenças e de ausências entre duas personagens de formas diferentes que partilham, em Manderley, a mesma forma. Deixando a casa presa ao fantasma de uma realidade passada que não permite à narradora materializar a sua realidade presente.
O mistério e a dualidade de Rebecca prolonga-se também à escrita e publicação do livro: Daphne du Maurier foi acusada duas vezes de plágio e, sendo improvável, não é impossível que também o seu livro seja uma sombra de um outro. Assim como, na atualidade, sinto o livro engolido pela forma do filme com que Alfred Hitchcock o adaptou ao cinema. No entanto, devido à censura da época em que foi feito, o filme não conta a verdade nem revela todos os segredos do livro.
Tudo em Rebecca, desde a narrativa até à sua própria história, sugere um medo de nos perdermos para o nosso duplo; ou até o medo de sermos a réplica de algo que nunca vamos conseguir alcançar, de sermos ultrapassados por uma forma nossa que não somos, cujo nome partilhamos mas que não somos nós. Porque só aquilo que desconhecemos pode conter essa perfeição, só aquilo que nos é intocável nos pode parecer intocado.
Ler Daphne du Maurier levou-me a confrontar as minhas sombras e a perceber quais delas sou apenas eu, em formas que existem em mim para me afastar de mim. E a perceber que muitas vezes os fantasmas são construções do meu próprio silêncio.
A Casa pt. 1: Sempre Vivemos no Castelo
Pingback: A Casa pt. 1: Sempre Vivemos no Castelo | Confraria Vermelha Livraria de Mulheres
Pingback: A Casa pt. 3: O Monte dos Vendavais | Confraria Vermelha Livraria de Mulheres
Curioso! Comecei agora a ler este livro, e também me levou a confrontar as poucas sombras que já vivem em mim.
GostarGostar