texto escrito por Sara Leão
Há dias dei com este artigo e fiquei imobilizada até o terminar. Descobri uma tarefa urgente para a semana: ler a “Introdução às Teorias Feministas do Direito”, de Rita Mota Sousa. «E o facto do criminoso padrão ser um homem torna a mulher criminosa duplamente desviante.»
Queria saber se este era um livro capaz de criar acessibilidades, face à linguagem hermética do direito, e fui também à procura de uma leitura formadora – confirmo que o é e agradeço à autora por isso. «Acreditamos que este breve périplo pelas origens do direito moderno português não pode deixar de produzir, em todas as mulheres, uma marcada sensação de humilhação porque ilustra e demonstra o discurso oficial e declarado, que remetia a mulher a um estatuto que pouco a distanciava do de um animal de companhia, não fossem as suas utilidades domésticas e procriativas».
Nesta “Introdução…” a autora faz uma apresentação de diferentes correntes feministas aplicadas ao direito (feminismo liberal, cultural, radical e pós-moderno), do seu desenvolvimento teórico, assim como da sua expressão em diferentes casos legais.
No segundo capítulo do livro, o foco está na prática de métodos jurídicos feministas. Esta secção revelou-se particularmente valiosa na resposta às minhas angústias, perante um sistema judicial conservador, onde a culpabilização das vítimas ainda faz parte da sua zona de conforto.
No passado dia 30 de Março, no âmbito do Festival Feminista do Porto, a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas dinamizou uma simulação de um julgamento de violação. Após a simulação, foi aberto o debate, estando assente que a simulação procurava caricaturar viéses perpetrados pelos tribunais, partindo da experiência real de quem os vive. Os julgamentos de crime de violação são aqueles em que «a versão das vítimas (…) é particularmente escrutinada e desacreditada» e a sua conduta perscrutada, por isso a autora vai optar por analisar a aplicação de métodos jurídicos feministas ao crime de violação e ao assédio sexual.
Foi reconfortante saber que, também no direito, o feminismo surge enquanto prática transformadora, que questiona a neutralidade, mimetizando um movimento presente nas ciências em geral, pela abordagem das epistemologias feministas.
Rita Mota Sousa recorre também a vários casos de tribunal para ilustrar a forma como as práticas jurídicas são o resultado daquilo que informa a abordagem ao direito de quem o pratica. Foi reconfortante saber que, também no direito, o feminismo surge enquanto prática transformadora, que questiona a neutralidade, mimetizando um movimento presente nas ciências em geral, pela abordagem das epistemologias feministas.
Junto-me a quem afirma que «a realização plena da mulher só se fará com uma alteração de paradigma, que remova o masculino do centro do mundo e altere as suas polaridades». O direito nunca foi neutro. O universal naturalizou as «experiências de vida de homens, poderosos e brancos», criando o direito à sua imagem. Felizmente, não faltam mulheres juristas prontas a questionar a “ordem natural das coisas”, fazendo «a pergunta do Outro», e aqui, concretamente, «a pergunta da mulher».
Nota colectiva para Abril: foram já demasiados séculos de um direito silenciador das perspectivas de mulheres e de outros grupos excluídos. O «direito é um poderoso instrumento de operatividade social, e a radicalidade da sua intervenção andará a par e passo com a radicalidade da mudança que se logre alcançar».
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