“Quem tivesse visto Catherine Morland em criança nunca poderia supor que nascera para heroína.”, assim começa A Abadia de Northanger.
A Abadia de Northanger foi escrita 1797-99 com o título de Susan e vendida em 1803 a um editor que nunca a chegou a publicar, este romance recebe o título final A Abadia de Northanger. A escritora volta a comprar os direitos em 1816 mas o romance não é publicado até 1818 de forma póstuma e ao mesmo tempo que Persuasão, graças à vontade de Henry e Cassandra Austen. O prefácio da obra, escrito por Henry, é uma nota biográfica que até hoje, é uma das poucas fontes que temos sobre a vida de Jane Austen.
O enredo de a A Abadia de Northanger gira entorno a Catherine Morland, uma jovem devota e ingénua, amante dos romances góticos (principalmente os de Ann Radcliffe). A medida que avança nas suas leituras, mergulha na ilusão até ao ponto de confundir ficção e realidade. Quando passa uns dias na casa do pai, a jovem começa a acreditar que o pai é culpado de crimes horríveis. Contudo Henry, amigo de Catherine, apercebesse que algo não está bem com ela e ajuda-a a voltar para a realidade. O pai perdoa as acusações, Catherine recuperasse na casa e prometesse com Henry.
A Abadia de Northanger aparece tardiamente, apesar de ser considerado o primeiro romance da escritora; contudo é, na minha opinião, inferior aos outros romances da escritora como, por exemplo, Emma. Mas isto é apenas uma apreciação pessoal, leiam e descubram qual é vosso romance favorito.
Escrito muito cedo e sem apenas revisão, não tem a mesma profundidade que o resto dos romances de Jane Austen: as personagens estão menos trabalhadas e a análise psicológica é menos profunda. Catherine é uma heroína boa e integra, mas é a sua credulidade e ignorância que se destacam, tornando-a numa personagem mais débil (comparando-a com as heroínas dos outros romances) cujo ponto de vista por vezes se perde. Talvez, por isso, Austen usa menos neste romance o discurso indirecto livre, tão característico na sua escrita, e opta por um estilo directo.
Desiguais por amor
Na A Abadia de Northanger, Jane Austen crítica as paixões românticas e parodia os romances góticos, usando o seu dom para a ironia e paródia. Faz troça das convenções góticas através dos melodramas e aproveita para dar ao romance uma moral explícita.Os sentimentos exacerbados que se desenvolvem neste género de romances irritam Austen, que valoriza o espírito crítico e prático assim como a serenidade. E é então que a sua pluma se transforma em sarcástica, a liberdade feminina requer a quebra do romantismo. Isto não significa retirar das vidas femininas a ideia do amor – ou histórias sobre o amor –, mas quebrar a ideia romântica da mulher, uma idealização baseada no conservadorismo; e é isto o que mais gosto neste romance de Jane Austen esta desconstrução do amor.
Ainda que os romances de Austen não representem uma completa quebra, apresentam elementos que devem ser considerados e valorizados. Mais do que valorizá-los, porém, é preciso valorizá-la. Austen foi uma mulher independente, que nunca casou, que sempre prezou o seu trabalho, que conseguiu prestígio numa sociedade conservadora e machista, apresentando personagens que, dentro do possível, demonstraram uma força inovadora.
Chegada a este ponto da minha reflexão sobre A Abadia de Northanger é justo citar Mary Wollstonecraft quando em pleno século XIX fazia uma crítica sagaz a uma das obras politico-filosófica da época, “émile ou de l’éducation” e dizia:
“Não luto contra as cinzas, mas sim contra as suas opiniões. Luto contra a sensibilidade que o levou a degradar a mulher e a fazê-la escrava do amor.”
Mary Wollstonecraft e Jane Austen tinham a mesma opinião sobre que o instrumento mais canalha, mas vergonhoso e mais cruel dos imperativos patriarcais era e continua a ser a consideração do amor romântico como o único e o verdadeiro amor onde os atributos do homem ressaltam e os da mulher se mantém discretos.
Jane Austen começa com A abadia de Northanger a mostrar-nos que precisamos analisar os nossos valores e mitos amorosos para descobrir quais continuam a configurar a nossa idealização de amor. Jane Austen sabia que era necessário des-idealizar o amor para ter amor do bom.
Com A abadia de Northanger aprendi…
… a não renunciar as minhas fantasias juvenis e à vontade de viver. Na companhia da honesta mente de Catherine, lembrei-me do medo que senti a primeira vez que fiquei sozinha em casa, a primeira vez que viajei a uma cidade nova ou a primeira vez que conheci alguém que me fez esquecer os medos e me fez sentir valorizada por aquilo que sou.
“Era o fim das visões romanceadas. Catherine estava completamente desperta.“ (A Abadia de Northanger)
Texto escrito
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