“É possível argumentar que a melhoria da raça que é objecto da lei de esterilização poderia ser atingida através de meios mais positivos, mas como os resultados de tais métodos são irregulares e incertos, devem ser suplantados por medidas negativas, tais como a prevenção do nascimento de indivíduos fora do padrão.”
The Core of the Sun de Johanna Sinisalo foi publicado na Finlândia em 2013. Pertence a uma nova geração de distopias que surgem depois de A História de uma Serva e que se focam em narrativas que colocam a mulher no centro.
Lê-se como um arquivo composto por cartas, relatórios e artigos que compõe uma imagem da vida na República Eusistocrática da Finlândia. Uma imagem que a autora tentou basear na sua realidade o mais possível, utilizando artigos que foram publicados na Finlândia do passado para imaginar uma possível realidade presente. A citação que escolhi para começar este texto vem de um desses artigos.
Vanna vive desprotegida por uma sociedade que trata as mulheres como menores e as obriga a dedicar o seu tempo e o seu pensamento a agradar e a competir por atenção.
Na República Eusistocrática da Finlândia o ser humano foi dividido em subespécies de homens e de mulheres das quais apenas duas podem viver em liberdade e reproduzir-se: os mascos e as elois. Todas as mulheres que não encaixem num padrão físico, intelectual e de comportamento são esterilizadas. E a protagonista do livro é Vanna, uma mulher que parece uma eloi mas é inteligente. Uma mulher que usa essa qualidade proibida às elois para lhes imitar o comportamento e viver em liberdade.
Mas não há liberdade na vida de uma eloi. Vanna vive desprotegida por uma sociedade que trata as mulheres como menores, que as obriga a dedicar o seu tempo e o seu pensamento a agradar aos homens e a competir com as outras mulheres pela atenção deles. Uma sociedade que nunca procurou a sua irmã Manna quando esta desapareceu depois do casamento, como muitas outras mulheres.
The Core of the Sun tira de proporção situações que acontecem na nossa realidade para se focar em temas que são reais na mesma proporção. Porque também na nossa realidade há um padrão estético em que nos querem encaixar, há também leis que escolhem as mulheres que se reproduzem, há também normalização da violência contra a mulher.
Para muitas mulheres a reprodução é ainda uma forma de revolução. A esterilização de mulheres por motivos de raça e de classe acontece no nosso mundo, no nosso tempo. Em The Core of the Sun Sinisalo mostra-nos como ignorar essas mulheres nos pode dividir, como nos pode separar e como podemos perder a humanidade que une a nossa espécie.
“Um animal domesticado como qualquer outro.”
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