Curar corações partidos com Virginia Woolf por Inês Rôlo

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Este livro salvou-me duas vezes.
Não me curou o coração partido em nenhuma delas,
nem me tirou da tristeza ou escuridão,
mas disse-me que não estava lá sozinha.
Estava eu, Virginia, as suas personagens e milhares de pessoas neste mundo.

Cada vez que tento explicar a alguém porque é que To The Lighthouse (Rumo ao Farol) é tudo para mim enredo-me em mil ideias ou fico sem palavras. Digo apenas: “lê. E se puderes, lê no original, não leias traduções”. É impossível explicar porque é que Virginia Woolf é um mundo em si mesma – e uma forma de pensar sobre os mundos interiores, mundanos, imaginários – a alguém que nunca a leu. Uma vez fui a um clube de leitura sobre este livro. Estavam 40 pessoas na sala. Cada uma disse o que a marcara mais no livro. E numa sala cheia de gente que leu o mesmo livro nenhuma ideia se repetiu. Havia 40 ideias diferentes. E mais haveria se houvesse mais gente. É isto que um livro de Virginia é.

Este livro salvou-me duas vezes. Não me curou o coração partido em nenhuma delas, nem me tirou da tristeza ou escuridão, mas disse-me que não estava lá sozinha. Estava eu, Virginia, as suas personagens e milhares de pessoas neste mundo.

“For nothing was simply one thing.”

Virginia Woolf

Mas sobre o que é que é este livro? Para mim é sobre atravessar a distância que nos separa das outras pessoas, é sobre a tensão entre a necessidade de autonomia e o desejo de intimidade e a tensão entre conhecermos as pessoas que amamos e conhecer-nos a nós mesmas. E pelo meio os conflitos, as falhas, a impossibilidade de fazermos tudo isto de forma perfeita. É um livro sobre ondas – ondas de relações, idas e vindas de pessoas nas vidas de outras, o efeito das mudanças e ausências, o impacto da proximidade e distância e o movimento contínuo entre todas estas coisas. Como a vida.

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Num livro que é vida, Virginia não tem respostas, só me ajuda a fazer perguntas: como é que sabemos onde está a fronteira entre querermos conhecer alguém a fundo e querermos manter-nos independentes? O que fazer com o desejo de fusão, de mergulhar nos abismos de outra pessoa? E o que fazer quando percebemos que afinal quase nada sabemos sobre as pessoas que amamos? O que fazer com a barreira que as outras pessoas erguem? O que fazer quando as outras pessoas passam de estar perto e serem âncoras do nosso mundo, para nunca mais as vermos, tocarmos ou se tornarem completas desconhecidas?

Virginia dá-nos. Mostra-nos a vida que não é a vida, é literatura,
mas é vida ao mesmo tempo, faz parte da vida,
torna visível aquilo que é inominável e dá-nos uma forma de pensar e sentir que não,
não somos as únicas no mundo com um coração quebrado
e um mundo de perdas que nunca vão ter resposta.

A conexão existe, mas é passageira. Está ali, agora. E a única coisa que podemos saber realmente é que vai passar. Como marés. Ou como a luz emitida por um farol, que passa e vai e volta e vai. Ao olharmos em frente ficamos encadeadas, não vemos quem emite a luz. O farol são as outras pessoas. Há um limite sempre, entre nós e elas – as outras pessoas. O “wedge shaped core of darkness” de cada uma é a última distância intransponível. Debaixo desse centro que me recuso a traduzir é tudo escuridão – é o que cada uma de nós é, indizível, sempre em mudança, infinito. Estamos juntas, mas sempre distantes.

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E tudo isto, tão difícil de explicar, Virginia dá-nos. Mostra-nos a vida que não é a vida, é literatura, mas é vida ao mesmo tempo, faz parte da vida, torna visível aquilo que é inominável e dá-nos uma forma de pensar e sentir que não, não somos as únicas no mundo com um coração quebrado e um mundo de perdas que nunca vão ter resposta. Sim, as pessoas vão e vêm nas e das nossas vidas e só nós ficamos. E eu fico com Virginia e tatuo-a no corpo. Para me lembrar, para me curar.

Fotos:  Tatuagens da Inês Rolo inspiradas no livro To The Lighthouse. Fotografia de Daniel Cardoso

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